sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Pousada do Engenho, São Francisco de Paula, RS , Brasil



Do alto de um penhasco a paisagem se revela drástica e impressionante.



A primeira etapa é pela praia, bordeando o mar.

Mais uma vez, eu sabia que iria sacolejar o esqueleto horas a fio durante três dias seguidos, sabia que ia ter que acordar bem cedo todas as manhãs e sabia também que só iria dormir em berço esplêndido na última noite. Mas, para alguém afinada com a natureza e atividades ao ar livre, a opção de participar de uma expedição a cavalo, no Rio Grande do Sul - com direito a poeira, muitas barrinhas de cereais e ainda sujeita à se encharcar na chuva.
Sendo assim, me lembro quando -  bem relaxada no sofá de casa -  esmiucei os detalhes de um dos roteiros mais inusitados e atraentes entre o farto leque de opções oferecido pela Campofora, empresa gaúcha pioneira em turismo equestre: uma cavalgada cujo ponto de partida era o balneário de Torres, e ,  como destino final,  os Aparados da Serra, localizados a 600 metros acima do nível do mar. Sobretudo, vale acrescentar, um passeio acompanhado não só por guias experientes, mas pelo clima inconstante, mutante e imprevisível de duas regiões distintas. Seríamos brindados com paisagens dignas de cartões postais , mas também poderíamos ser surpreendidos com intempéries a qualquer momento no meio do caminho.



Em suma, uma verdadeira travessia, temperada não apenas com sabor de expedição e longas horas na sela, mas também pontuada por uma valente caminhada morro acima para galgar o desnível agudo entre o mar e a serra, no Município de Morrinhos do Sul. A subida  a pé  teria início na manhã do terceiro dia, na Serra da Tajuva. Apesar de ser um trecho de apenas 1500 metros, é demasiadamente íngreme,  e os cavalos seriam puxados por peões até alcançarmos um local do altiplano chamado Descoberta.


 A partir dali, já de volta no lombo das nossas montarias, estaríamos bem próximos dos "peraus", como se diz lá no sul quando querem mencionar a beira dos canyons. Sem sombra de dúvida,  o programa prometia emoções, e a aventura terminaria com um toque de luxo numa pousada de charme em São Francisco de Paula, ou São Chico, como os locais costumam chamar esta pequena cidade do interior, situada a 1 hora da capital.


Já em outro cenário, a topografia totalmente modificada.

Juntar alguns amigos animados para compor um grupo foi mais fácil do que se pode imaginar. Até porque ninguém precisa ser um cavaleiro tarimbado para curtir este programa: além dos cavalos serem da raça crioula, cuja índole é dócil e obediente, eles têm uma andadura (modo de andar) que garante conforto, pois você não fica pipocando na sela. Que por sinal, por ser gaúcha, também contribui para assegurar o seu conforto ( pelo menos localizado), pois são "amaciadas" com um ou dois pelegos, nome dado à típica manta confeccionada com lã de ovelha. Além disso, como se cavalga por cerca de 5 a 6 horas diariamente, ninguém sai desenfreado, galopando o tempo todo – a maior parte do caminho é percorrida a passo, tranquilamente.  


Paulo Hafner revisa pessoalmente todos os detalhes com os animais.

Conforme ditava o programa, no primeiro dia, logo depois do café da manhã, nossa turma de 9 cavaleiros se reuniu diante do Guarita Park hotel, em Torres, onde nos aguardava a tropa de cavalos, o mentor das cavalgadas, Paulo Hafner, e mais um guia. Cada um dos participantes foi agraciado com a montaria adequada aos seus atributos pessoais. Entenda-se por aí alguns quesitos básicos, como prática, peso e know-how no manejo do animal. No entanto, repito: ninguém precisa ser expert no esporte, basta um mínimo de condicionamento físico, bom senso e um pouquinho só de conhecimento - saber que não se passa marcha em cavalo, por exemplo, vale ponto. 



O primeiro impacto visual veio quase imediatamente, com o cenário dramático dos penhascos sendo açoitados pelas ondas. Estávamos encima do promontório, passando por trilhas exíguas que serpenteavam pela vegetação, admirando a praia de Cal que se estendia diante de nós a perder de vista. O estado de espírito do grupo estava nas alturas,  pairava no ar uma incrível sensação de liberdade , com todos nós deslumbrados por estes momentos mágicos. Logo em seguida, os cavalos já deslizavam seus cascos na areia, a caminho das  próximas etapas.  Em  3 dias, iríamos percorrer cerca de 100 quilômetros, sempre emoldurados pelas paisagens extraordinárias e mutantes, como a imensidão dos canyons nos Aparados. No fundo, estávamos refazendo passo a passo uma autêntica cavalgada histórica, pois este itinerário  é  uma das rotas percorridas pelos tropeiros de antigamente , que saíam de madrugada campo afora para levar o gado de uma vila para outra, passavam o dia todo no lombo de seu cavalo e iam pernoitando de fazenda em fazenda até chegarem ao destino.  Em tempo, antes que alguém fique na dúvida: na programação não constava nenhum rebanho a ser levado por nós, mero grupo de turistas urbanos confeitados temporariamente como exímios cavaleiros.


Mas, se existe uma região no Brasil que pode ser definida como ideal para ser explorada  a cavalo,  é a serra gaúcha. A topografia, perfeitamente delineada para o esporte, varia entre colinas,  morros e planícies suavemente ondulados, entremeados por estradas de terra, caminhos e trilhas beirando propriedades rurais,  fazendolas e vilas isoladas. Aliás, existe uma infinidade de lugares  que só dá mesmo para chegar a pé ou montado, como atravessar arroios e bosques, ou se embrenhar no meio de plantações de bananas - impensável e impraticável por meio de qualquer outro tipo de locomoção. Mas,  é de lá que se contempla cenários de tirar o fôlego.  E quem acredita que cavalo não sobe escada está redondamente enganado: alguns trechos íngremes, mais acidentados, em solos pedregosos ou com muito cascalho, são obstáculos facilmente superados por estes robustos animais, que esbanjam energia. 
Durante uma expedição deste teor, é difícil seguir uma rotina. 


Felizmente, o tempo ajuda, o sol bate forte e não há sinal de chuva. Nem previsão. O primeiro dia teve uma parada de almoço numa fazenda à beira da Estrada do Lagunero.  Paulo explicou que estávamos fazendo o  caminho por onde os colonos alemães levavam suas mercadorias de troca até a cabeceira da Lagoa de Itapeva , que dali seguiam pelo cordão de lagoas até Porto Alegre.   Tudo é festa depois de ficar horas seguidas montado, e desfrutamos um rústico piquenique regado à cachaça regional, sanduíches e frutas. Temos até direito a siesta, só que nos moldes de um autêntico gaúcho -  tirando um cochilo na relva.
Chegaríamos ao nosso pouso de pernoite 34 quilômetros e 8 horas depois de ter deixado a ensolarada praia de Torres. A hospedagem era numa pousada familiar bem rústica no Vale do Paraíso, região rural e berço de muitos imigrantes italianos. No entanto, a simplicidade da casa era compensada pela simpatia e hospitalidade extrema de D. Zilda e Seu Hélio, um casal cuja história familiar remonta ao século retrasado!  Estávamos encravados numa vila chamada Três Cachoeiras, com poucos botecos, uma igreja e um monte de casinhas alinhavadas em volta de uma praça, típico retrato do interior do Rio Grande do Sul.



A primeira etapa estava encerrada. E apesar de não levarmos nenhum rebanho, nem carregarmos mercadorias para escambo,  tal quais os tropeiros de antão, estamos “moídos” por ter passado o dia todo encima de um cavalo.  O jantar é servido por volta das 7, no cardápio é comida caseira preparada com esmero,  muito vinho para regar a conversa que se estende um pouco na frente do fogo que crepita na lareira, porém o cansaço  toma conta de todos antes da novela das nove.  Nem mesmo a lua cheia que inundava os pastos com a sua esteira prateada consegue acender os ânimos.  Afinal, na manhã seguinte, é às sete que alguém baterá à sua porta.
O segundo dia transcorre encima da sela, num ritmo de exploração da redondeza, com direito a muito cascalho, muita poeira. E´ muito chão, mas só assim captamos o  pacato estilo de vida dos moradores da região...E na hora de tirar uma folguinha do cavalo, o pastel e a cerveja gelada num barzinho de Dom Pedro de Alcântara caem como uma luva – ou será como um pelego, para ser condizente com o linguajar gaúcho? Mas, todos nós estamos focados no clímax e terceiro dia da cavalgada, que promete sensações únicas.  E às oito horas na manhã seguinte estamos a postos, prontos para enfrentar logo aquela preconizada subida, que desemboca no altiplano dos Aparados da Serra. Apeamos  ao pé do maciço de Josafaz antes das dez, trocamos as botas por sapatos de caminhada e nos aliviamos de tudo que pode atrapalhar os movimentos. Afinal, é uma trilha com  600 metros de desnível,  que poderia ser rotulada como uma escadaria, com degraus improvisados, feitos à mão com pedras irregulares num terreno para lá de acidentado e íngreme. E, quem achava que cavalo só subiria se fosse alado, ficou perplexo: puxados por uma tropa de peões, galgavam os obstáculos com agilidade  e inteligência.



 
O horizonte ao alcance dos olhos na borda do Canyon


“ O que conta é o cavalo, o resto é o resto”, costuma repetir o mentor do turismo equestre no Brasil. Cinquenta minutos, muito suor e 1.500 metros depois,  alcançamos o nosso destino: uma extensão de prados verdes ondulados e cobertos pela grama de altiplano. Há centenas de araucárias, e a vegetação mistura as cores, do roxo ao laranja, do cinza ao amarelo.  Não demora e, uma vez lá em cima,  extasiados,  vamos nos aproximando cautelosamente da borda do canyon do Campo dos Pretos. Extasiados, admiramos um panorama sem fronteiras, imagens impactantes que nem dá para descrever. Só imagine que, de cima de um penhasco  que se debruça nos desfiladeiros bruscamente, centenas de metros no vazio...dá para ver o mar alinhavando o horizonte.  

Eis porque, como filosofia de vida, Paulo nunca hesita: “Tempo, silêncio, espaço, ar e segurança são ingredientes que os nossos passeios a cavalo propiciam...” E o resto, bem, é todo o resto. A verdade é que rimar expedição a cavalo com luxo causa estranheza, sim. Mas, para algumas pessoas como eu, as melhores cavalgadas acabam sempre sendo  aventuras durante as quais se deixou de lado os hotéis estrelados ( ou no caso, deixamos para a última noite!)  para armazenar na memória a coletânea dos luxos que a natureza é capaz de propiciar.  De graça.
interior de um chalé da Pousada do Engenho

E esta aventura terminou com um final feliz na Pousada do Engenho,  em São Francisco de Paula, que a gente merecia...Depois de passar três dias fincado numa sela, nada mais recompensador do que dormir numa cama pra lá de confortável. Chamaria isso do repouso do cavaleiro...( ao invés de guerreiro...) A pousada pertence à prestigiada cadeia Roteiros de Charme, na simpática cidadezinha de São Chico - como os locais costumam chamar esta pequena localidade situada a 1 hora da capital.



                                                   



Ali, deu para recuperar as energias, relaxando em uma das 14 cabanas, cada uma com charme próprio,( algumas chegam a 80 m²) , seguindo um estilo rústico de log cabin  com acabamento em madeira. Para conservar a total privacidade dos poucos hóspedes,foram  espalhadas numa área de 3 hectares de mata nativa.  Cada suíte difere uma da outra em tamanho e decoração, algumas chegam a 80m² . Em todas elas,  o fogo crepita na lareira a qualquer hora do dia  e o ambiente, com camas queen size e cantinhos aconchegantes, convidam ao relaxamento.  Para encerrar com louvor esta aventura, aproveite para fazer uma massagem no spa e jante à luz de velas no restaurante da pousada, onde é servida uma comida bem temperada e saborosa.  A massa é divina.

Terreno variável e muita emoção a cada momento.



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