domingo, 2 de abril de 2017

Posada Malibu, Los Roques, Venezuela


Los Roques, o tempo estagnou no maior arquipélago do Caribe.

 


Lentamente, o turbohélice inicia a sua descida em direção ao aeroporto de Gran Roque, única ilha deste arquipélago caribenho que oferece uma infraestrutura turística, um porto e a pista de pouso para as aeronaves de pequeno porte, provenientes da capital venezuelana. Hipnotizados pelo cenário que vislumbram do alto, os passageiros não desgrudam mais os olhos da janela até a aterrissagem. Visto de cima, o contorno das praias forma molduras de areia cintilante e a água é tão límpida que deixa transparecer o tapete de corais. Em algumas baías, dá para discernir veleiros ancorados, e as diferentes tonalidades de azul do mar causam um efeito visual impressionante: as embarcações parecem estar suspensas no ar. 






Apenas 30 minutos de vôo separam Caracas de Los Roques, o maior arquipélago do Caribe e hoje Parque Nacional. No entanto, das 364 pequenas ilhas, só quatro são habitadas e apenas uma delas – Gran Roque – tem alguma infraestrutura. Todas as outras se encontram em estado selvagem.

O aeroporto de Los Roques já é um cartão postal em si

Assim que desembarcam no vilarejo de Gran Roque, os turistas se dirigem à entrada do Parque Nacional através de um guichê estrategicamente fincado na beira da pista de pouso. Ali pagam uma taxa, e só depois recolhem a bagagem. Em seguida, levando as próprias malas, vão se dispersando aos poucos, em busca de suas respectivas pousadas. A pé, pelas ruas de areia, como fazem os 2500 habitantes deste minúsculo perímetro urbano onde não existe automóvel e nem poluição. Os roquenhos dependem inteiramente do turismo como fonte de renda, assim como dependem do continente para suprir qualquer gênero de abastecimento – exceção feita à pesca. Aliás, uma iguaria local renomada é a lagosta, servida em diversos estabelecimentos, seja sob a forma de recheio numa empanada  (uma espécie de pastel) ou para incrementar um tagliatelle.
 
Pescador alimenta os pelicanos mais acomodados


Ao longo dos últimos anos, nativos e estrangeiros oriundos de vários cantos do mundo abriram pousadas, bares, restaurantes e lojinhas de artesanato, criando aos poucos uma estrutura turística - terrestre e náutica -  razoavelmente eficiente para atender à demanda crescente por melhores serviços. Em Gran Roque (e só lá mesmo, porque nas outras ilhas habitadas não há sequer uma padaria!), já é possível encontrar internet café,  agencia de correio, farmácia, posto de saúde,  banco e uma escola. Até algum tempo atrás, a cada vez que um avião tocava o solo, as crianças abandonavam suas carteiras e corriam até a pista, a fim de oferecer aos recém-chegados seus préstimos como carregadores. Hoje, esta prática é proibida.


Gran Roque acolhe todos os turistas provenientes de Caracas. Ali,  não existem carros e as ruas são de areia. Mas é só lá que ficam as pousadas, os restaurantes e algumas lojinhas de artesanato.

Em Los Roques
, a coisa mais natural (e quase automática) é perder a noção do tempo e deixar que as horas sejam diluídas ao sabor do vento, imitando assim o modo de vida dos milhares de pelicanos que passam o dia alternando mergulhos, contemplação e repouso. E assim como o arquipélago é um santuário para estas pacatas aves, o mesmo acontece com os turistas que vêm passar suas férias. Imbuídos pelo estado de espírito roquenho – um sintoma contagiante, vale acrescentar! -  aderem a uma rotina que é quase sempre a mesma para todos: se hospedam em alguma “posada”, se contentam com acomodações rústicas sem grandes confortos além de banheiro privativo e (às vezes) ar condicionado, e zarpam diariamente depois do café da manhã para uma praia, onde passam o dia inteiro. A maioria das posadas ( se escreve com "o" mesmo) providencia uma cesta de piquenique com bebidas e transporte em lancha própria, além de cadeiras de praia e barraca. No final da tarde, trazem os turistas de volta a Gran Roque.



À noite, o programa é perambular pelo vilarejo, tomando um mojito aqui e um petisco ali, e depois jantar em algum dos inúmeros restaurantes. Há desde japonês a italiano, passando por pizzaria a simples biroscas. O ambiente do vilarejo é despretensioso, o clima agradável, não existe “dress code” e todos andam à vontade. Muita gente anda até descalços. A praça  principal, a Bolivar, fica cheia de gente, e dependendo da estação do ano, reina uma atmosfera festiva e animada em bares. Porém, quem está atrás de vida noturna abundante ou boas compras não vai encontrar. A Posada Malibu, que é um pouco afastada do centrinho,  tem uma simpática decoração na laje com um charmoso varandão desnivelado estilo lounge, enfeitado com espreguiçadeiras. Os quartos são pequenos, confortáveis, e têm banheiro privativo. Só a localização, digamos, não é tão privilegiada, mas ninguém se queixa em Los Roques - todo o cenário é tão extraordinário que o resto é o resto...

Cayo Agua, um retalho do paraíso

Lounge na Posada Malibu: bom gosto na rusticidade e aconchego genuino


O mesmo vale pra quem está idealizando um hotel de luxo: em Gran Roque cabe charme, bossa, criatividade, boa vontade. Los Roques é o destino ideal para uma viagem romântica, só para ficar jiboiando sob o sol do Caribe. Mas, graças à brisa constante e mar  manso, é também muito atraente para quem gosta de praticar atividades esportivas como kite surfe, windsurfe, caiaque e mergulho, cujo equipamento pode ser alugado em algumas das praias mais frequentadas ou nas lojas especializadas do vilarejo.

Segundo uma carta de navegação local, seriam necessários 16 dias para percorrer todo o rosário de ilhas, ilhotas, bancos de areia, “motus”  e cayos – a palavra exata para definir estes ancoradouros paradisíacos e as praias desertas.     Mas, como a maioria dos visitantes não dispõe de tanto tempo, há um certo consenso sobre  quais são os lugares mais exuberantes a serem visitados. E assim, a programação turística “oficial” de Los Roques inclui sempre as ilhas cuja localização é mais próxima de Gran Roque, como Crasqui, Espenqui e Francisqui. Uma corrida de táxi-boat para qualquer uma destas praias, leva cerca de meia hora. Uma curiosidade local é o nome de muitas das 350 ilhas do arquipélago, que sempre acaba com “qui”. Na verdade, é uma adaptação da palavra inglesa “key”, que significa ilha.

Cayo Tres Palmeras
Mas há quem queira fugir do típico roteiro para explorar um pouco mais este arquipélago. A melhor opção é alugar um veleiro ou um catamarã, por um ou mais dias, pernoitando a bordo se for o caso, e usufruindo de total liberdade para ir e vir de qualquer ponto, esticando as distancias ao bel-prazer. Outra grande vantagem deste meio de transporte é a mordomia, pois o charter incluiu um capitão e uma hostess, que, respectivamente, cuidam da navegação e das refeições. Detalhe: este programa não é tão oneroso quanto aparenta ser, e é ideal para uma família ou um grupo de amigos que queiram total privacidade.  Além de se libertar das amarras com Gran Roque, é uma fórmula para evitar a presença de qualquer outro grupo de turistas, pois o objetivo é ancorar em locais bem afastados e ainda mais selvagens e desertos, como Cayo de Água.

  • Lugares de extrema beleza selvagem, com praias inteiramente desertas de areia fina e leitosa. O mar transparente, de diversas tonalidades, é manso e morno.

 Localizado ao extremo oeste de Los Roques, é formado por várias faixas de praia cuja areia chega a ser leitosa de tão fina. Só poucas embarcações chegam até lá, porque é longe. A topografia é formada por pequenas elevações e a ilha tem um farol isolado no topo de uma colina. Vale o passeio até lá, mas é preciso muito cuidado com os carrapichos nos trechos onde há vegetação rasteira, pois são invisíveis e quando espetam a sensação é dolorosa e impede qualquer tentativa de caminhar descalços.

Velejando assim livremente, além de lugares selvagens, também é provável encontrar personagens tão característicos como Polito, um pescador local bem famoso que mora como a família num “rancho” (barraco de pescador) de frente para uma praia deserta que – mais outra! - também não consta do mapa, mas fica próximo a um santuário de pelicanos. O ar de bonachão, o traje curioso ( ele usa um boné cheio de penas) o tornou conhecido.





O pescador Polito (foto ao lado) é um dos pescadores mais reputados de Los Roques.  Na cabeça, um boné com penas sobressaindo o transforma num personagem. A lagosta do seu restaurante é famosa. 


 Este roquenho, que sobrevive da pesca e com um modesto restaurante cujo pátio é arenoso onde são servidos almoço e jantar todos os dias do ano, fala pouco. E  é claro que a clientela, pelo menos a que fica atenta às dicas que sopram na região, vai encomendar um daqueles pratos de lagostas grelhadas, especialidade da casa. Com um pouco de negociação, ele cobra em dólar (ou euro) cerca de U$35 por pessoa, com direito ainda a ostras e um tipo de marisco local chamado botuto. Mas, fato curioso, Polito se declara avesso a multidões. No caso, isto não deveria ser seu motivo de preocupação: a palavra multidão não consta no vocabulário de Los Roques.






















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