sexta-feira, 5 de maio de 2017

Acampamento bérbere, Pré-Saara, Ouarzarzate, Marrocos



 Ninguém sai do Brasil (ou de qualquer outro país) para passar uma noite no Saara assim sem mais nem menos.  E’ um programa de bérbere ? Sim, mas é bárbaro. Programa de mil e uma noites? Não, basta uma.

Esta aventura, que se intitula  “Uma noite no deserto” , é sugerida no roteiro de muita gente que viaja para o Marrocos.   Acampar no deserto é diferente mesmo. A idéia de dormir num autêntico acampamento bérbere não só soa fascinante como cria uma expectativa até mesmo no mais calejado viajante. No mínimo, você vai  visualizar personagens montados em camelos ( aliás, camelo tem de sobra e é como a gente chega lá) , atravessando lentamente aquelas volúveis dunas de areia branca. Se cutucar mais um pouco a sua imaginação,  dá também para associar a aventura  com os contos de Mil e uma Noites  que a gente leu na infância.


Mas a verdadeira surpresa dizia respeito ao conforto:  no acampamento  não tinha banheiro (pelo menos quando eu fui). Com isso não quero dizer que as tendas, todas individuais, não teriam o seu banheiro privativo. Não ia ter banheiro para ninguém porque no deserto simplesmente falta água. Para qualquer brasileiro, que tem mania de entrar para debaixo do chuveiro pelo menos duas vezes ao dia, dá para entender porque este pequeno detalhe deixou o grupo todo , digamos, alvoroçado. 


“Levem casacos quentes, mas não muita roupa, porque, como sabem, não vai ter banho,” recomendou o guia. Apesar de todas as incógnitas que ainda giravam em torno da noite no deserto,  ( pensando bem , nada mais natural, pois nunca alguém entre nós  tinha dormido no Saara ) o grupo acordou entusiasmado para a expedição, que saiu  de manhã da cidade a bordo de quatro Land Rovers para uma jornada de 115 quilômetros em direção ao pré-Saara. 



Seguindo um simpático  ritual, os guias distribuíram para cada pessoa um “kit deserto” : um djelabá azul, aquela típica túnica inteiriça usada pelos nômades que habitam o Saara e, de quebra, ganhamos também um sash  colorido, que vem a ser um tipo de xale de algodão que se transforma numa espécie de turbante, e que protege a cabeça do calor, do frio e das rajadas de areia. Quando todo mundo apareceu vestido ( ou seria fantasiado ?)  de tuaregue ( indivíduo que pertence ao povo bérbere),   não houve quem não sucumbisse ao efeito criado pelas vestimentas. Entre boas risadas,  além de dissipar todas as tensões,  estávamos relaxados para  vivenciar a etapa seguinte: uma  curta  expedição no dorso de camelos até o nosso acampamento.


Ao atravessar M’hamid, o derradeiro oásis antes do deserto,  a sensação  é nítida :  transpomos o portal do Pré- Saara. Em questão de minutos, não há mais nenhum vestígio de civilização. As Land ,  uma atrás da outra, serpenteiam entre dunas numa estrada de traçado duvidoso. A poeira embaça  o horizonte, onde o sol está se pondo lentamente.

 O tempo passa, não há sinal de vida, só areia. Naquele momento passou pela minha cabeça que, se me largassem ali, eu nunca  mais voltava. As dunas, com a sua textura em tons dourados, tiram a referência. Paranóia de leigo, é claro, pois aposto que qualquer homem azul  ( nome dado aos habitantes do deserto que, invariavelmente, estão vestidos dos pés à cabeça com uma túnica azul igualzinha à nossa)  acharia o caminho de volta com a maior  tranquilidade. 

Os preparativos pra montar nos camelos

Após meia hora,  avistamos um grupo de homens e camelos.  Naquele exato momento, me senti entrando no meio do set de uma filmagem e lembrei de ter lido que alguns sucessos de bilheterias  foram rodados naquelas bandas ,  como “Lawrence da Arábia”, “ A Jóia do Nilo” e   “O Homem que queria ser Rei”.  Em todos, os camelos estavam presentes.  Estes quadrúpedes ruminantes, que são criados no deserto desde 600 AC,  são conhecidos oficialmente no Marrocos  como “dromedário”.  Eles podem caminhar de 30 a 45 quilômetros por dia , dependendo se levam carga ou não.  Em geral,  são calmos,  mas os guias canadenses tinham nos alertado que poderiam debandar caso  um esbaforido grupo de brasileiros fosse correndo em sua direção. 


Do alto de nossos camelos, de cima de uma duna, tivemos a primeira visão do nosso acampamento : duas fileiras com oito tendas cada,  montadas uma ao lado da outra e viradas frente à frente; no fundo, uma tenda maior, com duas mesas  baixas e vários banquinhos, dispostos encima de alguns tapetes coloridos. 


As tendas são todas iguais,  feitas  de pano.  Medem cerca de 1,5  m de largura por  2,0 m de comprimento e 1,70m de altura na parte mais alta. No seu interior, encima de um tapete colocado diretamente sobre a areia , repousa um colchão de casal e o único móvel - uma mesinha de cabeceira. Nela,  um lampião de querosene exala um cheiro forte . No canto, uma chaleira contendo água e uma bacia “sugeria”  que você pudesse se lavar sem maiores inconvenientes. Até toalhas tinham colocado na cama. Não me pergunte para quê...Espertos foram aqueles que levaram os paninhos úmidos  para limpar bumbum de bebê...

Às sete começaram a servir o jantar.  Às 9, o efeito-Saara já  se fazia perceber, porque de repente quase todo mundo estava com sono. Uma grande fogueira foi então acesa , e  algumas pessoas aproveitaram o calor para ficarem em sua volta, conversando.  O que mais chamava a atenção era o número de  estrelas cadentes chovendo em cascata do céu.  Por sua vez,  a lua quase cheia  iluminava o acampamento. Não tenho dúvidas :  pairava romantismo no ar do deserto. 


O amanhecer no deserto é um momento mágico .

As tendas muito coladas umas às outras  definiram quem ronca, quem espirra, quem fala durante o sono , quem  tem pesadelos e  quem   quis   experimentar  o clima romântico do Saara.  E só  o sopro forte e constante do  vento foi  capaz de  dissimular  ruídos estranhos.  Só que ,  em contrapartida,  este mesmo sopro jogava para dentro da tenda  finas camadas de areia, peneirada através do pano, mas que iam se acumulando lentamente no travesseiro e nos cabelos.  Acordei inúmeras vezes para  varrer com a mão o monte de areia que começava a tomar conta da cama.  No final,  não teve jeito : tinha areia por todo lado da tenda.
A cama dentro da tenda


Acordou todo mundo  às 6:20 da manhã. “Venham ver o nascer do sol!”   , chamava insistentemente  o guia.   Em poucos minutos,  o grupo estava no alto de uma colina esperando para admirar  um dos espetáculos mais bonitos e cobiçados do Saara:  o sol nascendo no horizonte, projetando os  seus fachos de luz  nas dunas,  dourando- as lentamente. Um momento mágico , sem dúvida. 


O nascer do sol é uma visão espetacular

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