Bastou um amigo comentar que atravessar o Altiplano da Bolívia não era um programa para mulher. Desde então, aguçou mais ainda a vontade de fazer esta viagem de cinco dias e cinco noites, cujo itinerário tem início no deserto do Atacama, no Chile, cruza a fronteira para a Bolívia, penetra em cheio no altiplano e tem como clímax o fenomenal Salar do Uyuni, o maior do planeta.
Apachetas, o sinal de trânsito do Salar do Uyuni. E todo mundo obedece à sinalização... |
Laguna Colorada, um visual bastante impactante |
Esta travessia –
como o programa é mais conhecido - é uma
experiência única no gênero, pois explora de carro e a pé lugares inóspitos
porém deslumbrantes, quase todos fora do alcance da maioria dos mortais. Só vê
quem chega lá... E, por mais duro que seja a aclimatação acima de 4 mil metros,
você é recompensado pela exuberância da natureza, que esbanja cenários mirabolantes
e mexe até com os sentidos.
Porém, existe uma cartilha a seguir antes de se aventurar numa Travessia.
Para começar, é imprescindível passar por um período de adaptação em San Pedro
do Atacama, o que dura no mínimo 4
dias. Este “vestibular de altitude” é para testar a resistência física e habilitar os participantes a enfrentar, na
Bolívia, os quase 5 mil metros acima do nível do mar e temperaturas que podem
despencar para até 20 graus negativos! O grupo Explora é o único agente que organiza um
pacote integral de Travessia do Uyuni, com aclimatação no Atacama e acomodações privativas - atenção! leia-se acampamentos de altiplano, que podem ser containers isolados ou antigas cabanas de pedras - ao longo do itinerário. Mas, tudo tem a assinatura do sofisticado grupo Explora...com serviço personalizado, equipe de 5 pessoas e leva no máximo 6 participantes. As
travessias são realizadas o ano inteiro, e exigem um mínimo de duas pessoas.
O amor é para todos! Mesmo a 4500 metros acima do nível do mar! |
Acampando em containers, estilo Explora, com direito a roupões... |
Numa primeira etapa, rumo ao norte, atravessamos a Reserva
Florestal Avaroa e em seguida fomos galgando estradinhas tortuosas até chegar
aos geysers Sol de Mañana. Estamos no ponto mais elevado de toda a travessia – 4870 metros acima do nível
do mar. Mesmo sob o impacto do ar rarefeito, não há como ficar indiferente às
cores e formas mutantes das borbulhas de lava que brotam ruidosamente das crateras. Esta área
geotérmica está no estado mais genuíno possível, não há qualquer proteção, cerca ou barreira
em volta dos geysers.
Sol da Mañana: Geysers fumegantes sem proteção, a quase 5 mil metros de altitude. |
Após 260 quilômetros de estradas de terra empoeiradas, o longo dia termina em Canãpa, nosso primeiro rifúgio. Chegamos exaustos, com frio e uma sensação de desconforto – estamos a
Casitas de pedras, estilo local, morada confortável apesar de rústica |
No caminho, a parada estratégica do dia combina um hiking de 4
quilômetros com almoço na relva na bucólica laguna Turquiri. Formações
rochosas, pássaros e aves, bizcachas
( uma espécie de lebre selvagem de rabo comprido) e llamas fazem parte da fauna que povoa este
lugar silencioso no meio da natureza intocada.
Sensação indescritível é caminhar encima de um salar! |
Dia 3, após um farto desayuno, saímos
do nosso acampamento em direção ao Salar do Uyuni, o destino mais cobiçado
da travessia. Há muita expectativa do que vamos presenciar. “Vocês hoje terão o
maior impacto visual desta viagem,” assinalou nosso experiente guia, momentos
antes de alcançarmos a beira do Salar do Uyuni, que vem a ser o maior deserto
de sal do mundo, com 12 mil km quadrados.
Neve, açúcar?? Não, é sal mesmo!! |
Deveras: atravessar por mais de
Pique-nique encima do salar, experiência única! |
Durante horas, é como se
estivéssemos navegando numa lancha. Por todos os lados, estamos cercados de
ilhas que refletem seus contornos conforme a densidade da luz e o movimento das
nuvens. Em alguns trechos, onde já está seco, o sal cria uma textura densa, e
deixa rabiscada na superfície uma série de desenhos geométricos interessantes. Nestes
trechos, o motorista aumenta a velocidade até alcançar mais de 130km/hora.
Todos
estamos hipnotizados e atordoados pelos efeitos surreais causados pelos
reflexos da cadeia de montanhas, colinas, ilhotas e gigantescos vulcões que emolduram o salar: a cada instante criam-se
no horizonte incríveis miragens em 3D...que podem ser vistas a olho nú, sem o
auxílio de óculos...
Efeito miragem em cada canto, 3D sem auxílio de óculos, uma distorção de luz que deixa qualquer impactado. |
Nosso terceiro refúgio, em Tahua, é rústico e cozy, ao lado de um
vilarejo onde só chegou a luz recentemente. Estamos localizados numa península
à beira do salar do Uyuni, final da “rodovia” e por onde se entra seguindo as
“apachetas”, marcações em pedra que indicam os lugares seguros para alcançar a
terra firme.
Dependendo do ângulo, o salar se estira diante dos olhos como uma passarela
imaculadamente branca e se mescla com o horizonte. Esta imensidão vista de
longe poderia ser confundida com neve, ou areia, ou até mesmo açúcar... De manhã
cedo, os reflexos geram belas imagens sobrepostas e curiosos efeitos gráficos, aguçando a
imaginação de quem tem o privilégio de presenciar tais fenômenos da natureza.
Na hora do pôr-do-sol, que é comemorado no meio do salar com champanhe francesa,
é possível presenciar um jogo de luz capaz de arrancar suspiros de uma múmia.
E, quando cai a noite e
milhões de estrelas povoam o céu, curtimos o silencio absoluto e o contorno do
vulcão Tunupa, o mais alto da região, com 5432 metros . Reza a
lenda que Tunupa era o nome de uma linda mulher que surgiu na região do salar,
onde viviam dezenas de tribos. Os chefes lutaram entre si para merecer o seu
amor e acabaram derramando o sangue de inocentes – entre os quais até o próprio
filho da diva.
A cada ângulo se desprende uma paisagem mais feérica que a outra. |
Os deuses andinos, irados com este comportamento, decidiram
transformar todos em vulcões. Sendo assim, o salar seria o leite da mãe
inconsolável misturado com as suas lágrimas.
Um carro passando pelo Salar, visto de longe... |
Não se esqueça de levar protetor, óculos escuros e muito fôlego pra resistir às altitudes!
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