sexta-feira, 17 de março de 2017

The Mercer Hotel, New York, USA




Assim que me acomodei no banco traseiro do táxi amarelo em Newark, fui logo dizendo num sopro só : “Vamos para o SoHo, no hotel Mercer, que fica na Mercer Street, só não sei exatamente onde.” O motorista caribenho virou a cabeça para trás, me encarou e soltou uma cínica gargalhada ao receber um endereço tão mal esmiuçado. Imediatamente, tive aquele sentimento de tupiniquim. Mais ou menos como  você chegar no aeroporto internacional do Rio de Janeiro e pedir para ser levado ao hotel Astoria, na Avenida Conde de Bomfim, no bairro da Tijuca.


Esta comparação é um exagero proposital, e certamente não procede: simplesmente porque o SoHo ( isso mesmo, com um H maiúsculo no meio da palavra, daí o nome que quer designar South of Houston St.) é mínimo, um conjunto de apenas 25 pequenas quadras localizado em downtown Manhattan, entre Tribeca, Little Italy e Greenwich Village - ou seja, um bairro retangular emoldurado por 2 avenidas principais - a Broadway e a West Broadway - 3 ruas paralelas - a Wooster, a Greene e a Mercer - e quatro transversais  - a Prince,  a Spring, a Broome e a Grand.  Digamos que, visualizando tudo graficamente, é um pouco maior do que um jogo da velha. Falando em metros quadrados, dá menos do que ¾ de milha de área. Resumindo, labirinto não é.

Mas não é nenhum exagero afirmar que os motoristas de táxi novaiorquinos têm um quê de sadismo e adoram torturar o pobre do turista que volta e meia se confunde com as direções east e west, é obrigado a sempre ter em mente qual é a avenida entrecortada pela rua e ainda por cima precisa citar as esquinas. O certo teria sido dizer:  “Quero ir para o Soho, na esquina da Mercer com a Prince.” Aí, sim, ele entenderia.

Em falta com a lição de casa, me preparei para o pior. Ainda mais que os principais responsáveis pelo nosso meio de locomoção em Nova Iorque não pecam por excesso de amabilidade. Qual não foi o alívio quando ele me dirigiu a palavra: “ A gente vai chegar lá,” concedeu. Realmente, chegamos. Mas não sem passar duas vezes na frente do hotel. Da primeira vez, ninguém se deu conta de que a fachada de tijolinho , sem insígnia alguma e nem vestígio de letreiro, nenhuma portaria convencional e sequer um porteiro (aparente) na calçada, era o The Mercer.

Soho: sem arranha-céus e vida de bairro relaxado, sem estresse.

Mas o que há de tão extraordinário neste mini-bairro, onde um apartamento de dois quartos num prédio velho com apenas cinco andares está cotado em milhões de dólares e consegue ser vendido num piscar de olhos ( a procura é tão grande que há clientes que compram sem mesmo ver !)? Modismo, supervalorização, especulação ou todos os fatores combinados ? Na realidade, o SoHo  começou a entrar na moda no início da década de 70, quando muitos artistas plásticos procuravam os lofts, aqueles antigos armazéns locais que, graças à sua amplidão, se prestam à mil utilidades. Aos poucos, foram montando os seus estúdios e trabalhando com novas técnicas que a cada vez exigiam espaços mais amplos. Por fim, a maioria acabava se instalando definitivamente por lá também para fugir do alto custo do aluguel de outros bairros. Do resultado de suas criações surgiram as primeiras galerias de arte avant-garde que hoje hasteiam as suas bandeiras na fachada. Aliás, tudo  é motivo para hastear uma bandeira no SoHo : em frente às butiques, livrarias, lojas de design, restaurantes, bares e cafés.

Mas antes mesmo do surgimento das primeiras galerias de arte, o SoHo sempre se destacou dos outros bairros de Nova Iorque devido aos seus famosos prédios “cast in iron” - em tradução literal, prédios engessados em ferro. Nada mais realista e verdadeiro, pois é no SoHo que encontramos a maior concentração do mundo deste tipo de arquitetura . O que significa este gênero de construção na qual a maioria dos prédios, postos lado a lado, tem um invólucro de ferro ? Para entender melhor o que foi este fenômeno americano, na verdade particularmente novaiorquino, é preciso voltar aos meados do século passado, quando as estruturas de ferro destes armazéns começaram a chegar no SoHo, sob a forma peças pré-fabricados num meio onde predominava um tipo de construção civil que ainda se curvava aos trabalhos feitos em alvenaria, mármore e calcário.


Estas estruturas, que basicamente eram uma réplica em ferro das residências nobres e dos palacetes europeus,  expressavam uma concepção arquitetônica peculiar : através da mais moderna técnica de marketing - a venda por catálogo - toda a glória do mundo passado, sob forma de moldes prontos-para-montar imitando as antigas construções, era ofertada a preços acessíveis aos comerciantes americanos. Sendo assim, ao invés de desmontar um palacete em outro continente e embarcá-lo para Nova Iorque pedra por pedra ( o que eventualmente aconteceu),  eles apenas escolhiam nos catálogos qual seria o design de sua preferência para usar como fachada. Ou seja, eram os tempos modernos que , de maneira prática barata e acessível, propiciavam ao comerciante o prazer de dar um visual de grandeza ao seu armazém, dando-lhe a aparência do autêntico palácio renascentista de um mercador florentino. Cada modelo chegava em suas mãos pronto para ser montado. E ainda tinha a vantagem de não pegar fogo, numa época em que os grandes incêndios constituíam uma ameaça para todas as cidades dos Estados Unidos. Como se sabe,  Nova Iorque teve a seu em 1835.

Spring St., vida de bairro em cada esquina

Já visualizou Manhattan sem arranha-céus ? Nenhum Mac Donald na esquina ( pelo menos eu não vi da última vez que fui lá) e pouquíssima sirene de polícia ?  Só mesmo indo ao SoHo  - e ficar perambulando por lá. Dia e noite. Ao contrário da uptown, onde o movimento matinal é intenso , reina a calmaria no SoHo até às onze da manhã. Ninguém transita a pé e, nas ruas estreitas,  praticamente desertas,  quase não passa carro. O dia em que acordei cedo para ir ao Central Park , foi preciso andar até a Houston para pegar um táxi. Até porque dificilmente eles transitam vazios pelas transversais, preferindo sempre margear o bairro pelas duas Broadways, que têm sentidos inversos.


Em compensação, a partir de uma da tarde, o SoHo vira um verdadeiro formigueiro, porque a cada hora que passa o bairro vai se enchendo de turistas, gente de toda sorte, raça e credo , vendedores ambulantes, ciclistas, artistas e simpatizantes. Aglutinados em frente aos sinais vermelhos, nas calçadas e nas lojas, você acaba esbarrando nas pessoas o tempo inteiro, acotovelando-se para atravessar as ruas, e enfrentando filas nos caixas do Dean & Deluca ( 560, Broadway), a Meca das delicatessen do SoHo. Uma dica : as suas portas abertas desde às 8 da manhã,  mas o lugar só fervilha em torno do meio-dia. Como a loja é uma visão gastro-decorativa em si, é aconselhável aproveitar o período cedo para visitá-la, admirá-la e eventualmente até saborear um café, olhando os transeuntes através da vidraça, passando para lá e para cá. Todo mundo anda animado, de um lado para outro, bisbilhotando em tudo quanto é canto. Lugar não falta para isso.  O SoHo é repleto de museus - nada menos do que oito, contando com o  Guggenheim Museum SoHo ( Prince com Broadway)- antiquários, sebos,  butiques de design, filiais de griffes famosas como Tristan in America, Armani Exchange, Dolce & Gabbana, Issey Myake, Calvin Klein e Nicole Miller. Acrescente a luxúria exótica dos produtos aromáticos , à venda na Lémon Grass, que confecciona sabonetes com grãos de café, raspas de coco ou arroz; lojas como a Vintage Clothes, onde se encontra de tudo um pouco em matéria de roupas e acessórios, novos e usados, mas tudo remanescente da moda ( e modismo) das últimas seis décadas.

Restaurantes, nem se fala. Para o comensal exigente, o SoHo é um prato feito, porque em ¾ de milha quadrado come-se bem como em poucos lugares do mundo. Uma vantagem : está tudo condensado nestes poucos quarteirões. A grande maioria dos estabelecimentos capricha na apresentação da fachada, com toldos coloridos e bandeiras, janelões ou vidraças que vão até o chão,  se abrem para a calçada e possibilitam a clientela a sentar-se em pequenas mesas como se estivessem numa vitrine ou num palco. O esporte favorito, na hora das refeições, é ficar olhando para a rua e admirando o movimento.

Adicionar legenda
O comércio fecha em torno das sete e abre aos domingos. Algumas lojas, no entanto, têm dias específicos para um late closing (fechamento tardio), quando permanecem abertas até às 9 ou 10 da noite. Mesmo terminado o horário das compras, o movimento de pedestres nas ruas continua. Ninguém parece ter pressa de voltar para casa.  Os restaurantes, que tinham se esvaziados após o almoço, vão ficando novamente repletos - está na hora do happy hour, que acontece ao pé da letra neste bairro, e em vários lugares ao mesmo tempo. De maneira convencional ou à la SoHo - tomando uma sopa de legumes sentado na calçada na frente do Fanelli’s, ou do outro lado da rua, bebericando uma taça de champagne francês no sofisticado bar do The Mercer, onde a cor preta e cinza escura predomina em todos os trajes masculinos e femininos. E’ o final do expediente, quando emergem aqueles novaiorquinos da uptown Manhattan que, ao largar o trabalho, vêm tomar um drinque no ambiente boêmio do SoHo antes do jantar. Passam de um café para  um bistrô, do bistrô para outro bar, até se estabelecerem definitivamente em algum restaurante para jantar. A partir de uma determinada hora, digamos em torno das 9 e meia, não sobra mais espaço em canto nenhum, até mesmo para ficar em pé. E, assim, as ruas vão se esvaziando lentamente...




Mesa no The Kitchen
O The Mercer é um estabelecimento que merece as suas estrelas, não apenas pelo serviço primoroso, como graças à decoração original. No lobby, imensos  e confortáveis sofás pretos são emoldurados por uma extensa biblioteca, dando ao ambiente um  aconchego inusitado para um hotel. E’ como se você estivesse na sala de visitas de um amigo. As pessoas, hóspedes ou não, costumam sentar-se para ler jornais, conversar ou tomar um café. Ali dentro transita o que há de gente bonita e bem vestida, gente que costuma aportar lá em torno das 6 da tarde, logo após o expediente. Tomam drinques no bar, batem um papo e esticam no The Kitchen, o restaurante do hotel, que se encontra no subsolo. 

 Embora com diárias salgadas, de longe o hotel é o mais bem localizado. Mas, o único defeito são os quartos virados para a Mercer St. ou a Prince St.,  pois de madrugada o barulho dos caminhões de recolhimento de lixo perturbam o sono. Mesmo deixando de ter a fachada do museu Guggeinheim como vista, peça para ficar num dos quartos virados para o courtyard ( pátio interno), bem silenciosos.
   

Nenhum comentário:

Postar um comentário