Assim
que me acomodei no banco traseiro do táxi amarelo em Newark, fui logo dizendo
num sopro só : “Vamos para o SoHo, no hotel Mercer,
que fica na Mercer Street, só não sei exatamente onde.” O motorista caribenho
virou a cabeça para trás, me encarou e soltou uma cínica gargalhada ao receber
um endereço tão mal esmiuçado. Imediatamente, tive aquele sentimento de
tupiniquim. Mais ou menos como você chegar
no aeroporto internacional do Rio de Janeiro e pedir para ser levado ao hotel
Astoria, na Avenida Conde de Bomfim, no bairro da Tijuca.
Esta
comparação é um exagero proposital, e certamente não procede: simplesmente
porque o SoHo ( isso mesmo, com um H maiúsculo no meio da palavra, daí o nome
que quer designar South of Houston St.) é mínimo, um conjunto de
apenas 25 pequenas quadras localizado em downtown
Manhattan, entre Tribeca, Little Italy e Greenwich Village - ou seja, um bairro
retangular emoldurado por 2 avenidas principais - a Broadway e a West Broadway
- 3 ruas paralelas - a Wooster, a Greene e a Mercer - e quatro transversais - a Prince,
a Spring, a Broome e a Grand.
Digamos que, visualizando tudo graficamente, é um pouco maior do que um
jogo da velha. Falando em metros quadrados, dá menos do que ¾ de milha de área.
Resumindo, labirinto não é.
Mas
não é nenhum exagero afirmar que os motoristas de táxi novaiorquinos têm um quê
de sadismo e adoram torturar o pobre do turista que volta e meia se confunde
com as direções east e west, é obrigado a sempre ter em mente
qual é a avenida entrecortada pela rua e ainda por cima precisa citar as
esquinas. O certo teria sido dizer:
“Quero ir para o Soho, na esquina da Mercer com a Prince.” Aí, sim, ele entenderia.
Em
falta com a lição de casa, me preparei para o pior. Ainda mais que os
principais responsáveis pelo nosso meio de locomoção em Nova Iorque não pecam
por excesso de amabilidade. Qual não foi o alívio quando ele me dirigiu a
palavra: “ A gente vai chegar lá,” concedeu. Realmente, chegamos. Mas não sem
passar duas vezes na frente do hotel. Da primeira vez, ninguém se deu conta de
que a fachada de tijolinho , sem insígnia alguma e nem vestígio de letreiro,
nenhuma portaria convencional e sequer um porteiro (aparente) na calçada, era o The Mercer.
Mas
o que há de tão extraordinário neste mini-bairro, onde um apartamento de dois
quartos num prédio velho com apenas cinco andares está cotado em milhões de dólares e consegue ser vendido num piscar de olhos ( a procura é tão
grande que há clientes que compram sem mesmo ver !)? Modismo, supervalorização,
especulação ou todos os fatores combinados ? Na realidade, o SoHo começou a entrar na moda no início da década
de 70, quando muitos artistas plásticos procuravam os lofts, aqueles antigos armazéns locais que, graças à sua amplidão,
se prestam à mil utilidades. Aos poucos, foram montando os seus estúdios e
trabalhando com novas técnicas que a cada vez exigiam espaços mais amplos. Por
fim, a maioria acabava se instalando definitivamente por lá também para fugir
do alto custo do aluguel de outros bairros. Do resultado de suas criações
surgiram as primeiras galerias de arte avant-garde
que hoje hasteiam as suas bandeiras na fachada. Aliás, tudo é motivo para hastear uma bandeira no SoHo :
em frente às butiques, livrarias, lojas de design, restaurantes, bares e cafés.
Mas
antes mesmo do surgimento das primeiras galerias de arte, o SoHo sempre se
destacou dos outros bairros de Nova Iorque devido aos seus famosos prédios
“cast in iron” - em tradução literal, prédios engessados em ferro. Nada mais realista e verdadeiro, pois é no
SoHo que encontramos a maior concentração do mundo deste tipo de arquitetura .
O que significa este gênero de construção na qual a maioria dos prédios, postos
lado a lado, tem um invólucro de ferro ? Para entender melhor o que foi este
fenômeno americano, na verdade particularmente novaiorquino, é preciso voltar
aos meados do século passado, quando as estruturas de ferro destes armazéns
começaram a chegar no SoHo, sob a forma peças pré-fabricados num meio onde
predominava um tipo de construção civil que ainda se curvava aos trabalhos
feitos em alvenaria, mármore e calcário.
Estas
estruturas, que basicamente eram uma réplica em ferro das residências nobres e
dos palacetes europeus, expressavam uma
concepção arquitetônica peculiar : através da mais moderna técnica de marketing
- a venda por catálogo - toda a glória do mundo passado, sob forma de moldes prontos-para-montar imitando as antigas
construções, era ofertada a preços acessíveis aos comerciantes americanos.
Sendo assim, ao invés de desmontar um palacete em outro continente e embarcá-lo
para Nova Iorque pedra por pedra ( o que eventualmente aconteceu), eles apenas escolhiam nos catálogos qual
seria o design de sua preferência
para usar como fachada. Ou seja, eram os tempos modernos que , de maneira
prática barata e acessível, propiciavam ao comerciante o prazer de dar um
visual de grandeza ao seu armazém, dando-lhe a aparência do autêntico palácio
renascentista de um mercador florentino. Cada modelo chegava em suas mãos
pronto para ser montado. E ainda tinha a vantagem de não pegar fogo, numa época
em que os grandes incêndios constituíam uma ameaça para todas as cidades dos
Estados Unidos. Como se sabe, Nova
Iorque teve a seu em 1835.
Já
visualizou Manhattan sem arranha-céus ? Nenhum Mac Donald na esquina ( pelo menos eu não vi da última vez que fui lá) e
pouquíssima sirene de polícia ? Só mesmo
indo ao SoHo - e ficar perambulando por
lá. Dia e noite. Ao contrário da uptown,
onde o movimento matinal é intenso , reina a calmaria no SoHo até às onze da
manhã. Ninguém transita a pé e, nas ruas estreitas, praticamente desertas, quase não passa carro. O dia em que acordei
cedo para ir ao Central Park , foi preciso andar até a Houston para pegar um
táxi. Até porque dificilmente eles transitam vazios pelas transversais,
preferindo sempre margear o bairro pelas duas Broadways, que têm sentidos
inversos.
Em
compensação, a partir de uma da tarde, o SoHo vira um verdadeiro formigueiro,
porque a cada hora que passa o bairro vai se enchendo de turistas, gente de toda
sorte, raça e credo , vendedores ambulantes, ciclistas, artistas e
simpatizantes. Aglutinados em frente aos sinais vermelhos, nas calçadas e nas
lojas, você acaba esbarrando nas pessoas o tempo inteiro, acotovelando-se para
atravessar as ruas, e enfrentando filas nos caixas do Dean & Deluca ( 560,
Broadway), a Meca das delicatessen do SoHo. Uma dica : as suas portas abertas
desde às 8 da manhã, mas o lugar só
fervilha em torno do meio-dia. Como a loja é uma visão gastro-decorativa em si,
é aconselhável aproveitar o período cedo para visitá-la, admirá-la e
eventualmente até saborear um café, olhando os transeuntes através da vidraça,
passando para lá e para cá. Todo mundo anda animado, de um lado para outro,
bisbilhotando em tudo quanto é canto. Lugar não falta para isso. O SoHo é repleto de museus - nada menos do que
oito, contando com o Guggenheim Museum
SoHo ( Prince com Broadway)- antiquários, sebos, butiques de design, filiais de griffes famosas como Tristan in America,
Armani Exchange, Dolce & Gabbana, Issey Myake, Calvin Klein e Nicole Miller.
Acrescente a luxúria exótica dos produtos aromáticos , à venda na Lémon Grass,
que confecciona sabonetes com grãos de café, raspas de coco ou arroz; lojas
como a Vintage Clothes, onde se encontra de tudo um pouco em matéria de roupas
e acessórios, novos e usados, mas tudo remanescente da moda ( e modismo) das
últimas seis décadas.
Restaurantes,
nem se fala. Para o comensal exigente, o SoHo é um prato feito, porque em ¾ de
milha quadrado come-se bem como em poucos lugares do mundo. Uma vantagem : está
tudo condensado nestes poucos quarteirões. A grande maioria dos
estabelecimentos capricha na apresentação da fachada, com toldos coloridos e
bandeiras, janelões ou vidraças que vão até o chão, se abrem para a calçada e possibilitam a
clientela a sentar-se em pequenas mesas como se estivessem numa vitrine ou num
palco. O esporte favorito, na hora das refeições, é ficar olhando para a rua e
admirando o movimento.
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Mesa no The Kitchen |
O
The Mercer é um estabelecimento que
merece as suas estrelas, não apenas pelo serviço primoroso, como graças à
decoração original. No lobby, imensos e
confortáveis sofás pretos são emoldurados por uma extensa biblioteca, dando ao
ambiente um aconchego inusitado para um
hotel. E’ como se você estivesse na sala de visitas de um amigo. As pessoas,
hóspedes ou não, costumam sentar-se para ler jornais, conversar ou tomar um
café. Ali dentro transita o que há de gente
bonita e bem vestida, gente que costuma aportar lá em torno das 6 da tarde,
logo após o expediente. Tomam drinques no bar, batem um papo e esticam no The
Kitchen, o restaurante do hotel, que se encontra no subsolo.
Embora com diárias salgadas, de longe o hotel é o mais bem localizado. Mas,
o único defeito são os quartos virados para a Mercer St. ou a Prince St., pois de
madrugada o barulho dos caminhões de recolhimento de lixo perturbam o sono.
Mesmo deixando de ter a fachada do museu Guggeinheim como vista, peça para
ficar num dos quartos virados para o courtyard
( pátio interno), bem silenciosos.
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