segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Pousada do Mingote, Alter do Chão, Pará



Emoldurado por uma paisagem caribenha com quilômetros de praias de areia branca, Alter do Chão mantém uma rotina de mansidão à beira do rio Tapajós, mas ainda é um destino pouco conhecido dentro do Brasil.


Apenas 37 quilômetros separam o aeroporto de Santarém, no estado do Pará, de uma pacata vila de pescadores que, de tão genuína, tem o poder de surpreender e encantar de imediato  quem já rodou Brasil adentro e mundo afora.  E embora Alter do Chão ainda seja um nome pouco divulgado por aqui, ele foi louvado pelo jornal britânico The Guardian, que o elegeu como a mais bela praia brasileira e ainda o coroou com o título de "Caribe do Amazonas".


Mas, nem isso  afetou o estilo de vida simples e despojado do lugar e não existe sequer a pretensão de transformar Alter num destino para  glitteratis - muito pelo contrário,  os habitantes se orgulham de preservar aquela aura típica de cidadezinha do interior, onde o tempo não tem pressa. Por outro lado, o ambiente se tornou bem mais eclético de uns anos para cá, desde que começou a afluência de estrangeiros, principalmente europeus, a maioria visitantes de passagem que vinha para conhecer e ficar apenas alguns dias, mas acabou sucumbindo à magia do local.

Muitos decidiram fincar raízes, e assim foram montando pequenos negócios, restaurantes com cardápios onde fundiram as receitas dos seus países de origem com as regionais, acoplaram lojinhas de roupas e ateliê de jóias assinadas por designers independentes, e o fluxo fez com que também pipocassem algumas pousadas bem arrumadas. Tudo isso,  aos poucos, acrescentou mais uma pitada de charme ao já pitoresco cenário de Alter e, é claro, ajudou a incrementar a infraestrutura turística. À noite, uma torre de Babel em miniatura se concentra em volta da praça principal da vila, embalada por sons do castelhano, inglês, francês e italiano e em muitas ocasiões mesclada com o ritmo do carimbó, gênero musical difundido em todo o Estado paraense.



 No entanto, tampouco estas mudanças pontuais alteraram a fleuma deste oásis de tranquilidade, cujos atrativos são imutavelmente naturais:  Alter do Chão é emoldurado por quilômetros de praias de areia branca que margeiam o majestoso rio Tapajós, que de tão largo  pode ser facilmente confundido com o mar. E todas as atividades rotineiras dos nativos, pescadores e visitantes da vila giram em torno de suas águas cristalinas, mornas e sem ondas.



E´ fundamental acordar bem cedinho em Alter, e aproveitar para se mexer antes que o sol vire um maçarico e o calor fique estonteante. A claridade das seis e meia da manhã já permite começar a programação com uma bucólica caminhada na praia deserta, em direção ao Pier, burlando os primeiros raios e aproveitando para dar um mergulho nas águas tépidas. Sem vento, o rio Tapajós fica tão liso que parece um tapete translúcido, no qual as nuvens conseguem se refletir com nitidez, criando um efeito visual impressionante.

O rio parece um tapete liso e não se vê nada além do horizonte
 A única coisa que deixa a desejar, mas nem porisso deve desmotivar uma visita a Alter é a infra estrutura hoteleira. Nós ficamos hospedados na Pousada do Mingote, bem no centro do vilarejo. Melhor situado, impossível. Mas, carece de mimos, embora a cama seja confortável, as acomodações amplas e limpas. Não tem vista, mas o ar condicionado bomba, o que é fundamental visto que o termômetro bate fácil em 35ºC a qualquer hora do dia ou da noite. O atendimento é amável e você está a passos do rio e da praça principal.
E´ uma pena que esta infra não tenha evoluído, e mesmo existindo algumas pousadas na área, não dá para encontrar nenhuma que mereça um rótulo de charme.
No entanto, Alter é daqueles lugares em que curtir a pousada deixa de ser opção porque tudo em volta é tão magnífico que a hospedagem passa a ser um assunto secundário. Quem sabe no futuro...

barqueiros à espera de passageiros para atravessar até a praia do Amor
Também a esta hora, as ruas ainda estão vazias, favorecendo explorar a pé alguns recantos por detrás da vila, em ruas não pavimentadas, lá onde ficam as belas casas de veraneio, abrigadas por uma vegetação nativa e bastante sombra. Deixe para tomar o café da manhã na sua pousada depois destas andanças, para em seguida descer novamente até a beira do rio, desta vez afim de escolher qual é o passeio de barco que se encaixa melhor no seu perfil e na sua agenda.


 Em Alter do Chão, é só chegar até a areia para notar que existem vários tipos de  embarcações fincadas ali mesmo, bem às margens do rio. Além das enormes "gaiolas", que fazem charters pela região e organizam pacotes para Santarém, você vai ver lanchas de alumínio, canoas, bajaras e catraias. Estas duas últimas são típicas da região, a primeira com motor e potencial para levar passageiros aos igarapés e às praias vizinhas e  a segunda - movida a remo -  apenas para fazer a micro travessia entre o continente e a disputada Praia do Amor, uma ilhota que se transformou no cartão postal de Alter, mas que fica inteiramente submersa entre fevereiro e junho, quando as chuvas costumam castigar toda a bacia Amazônica e o nível do rio Tapajós sobe vários metros. Nesta época, a paisagem da vila é outro, quase irreconhecível.

A simpatia do povo é contagiosa e o turista se sente acolhido

Logo, você vai observar como também foi implantada a organização entre os chamados catraeiros e barqueiros em geral:  é que para atender ao turismo - que representa 80% da renda destes profissionais - foram criadas diversas associações entre as comunidades locais, apoiadas apenas por ONG´s e sem qualquer vínculo político, proposta inusitada para os padrões brasileiros, mas muito bem sucedida em Alter, por sinal. O preço para transportar 4 pessoas até a outra margem é aplicado com hegemonia, e cada catraeiro aguarda a sua vez e não se sente preterido. A coisa flui, e por sua vez o visitante não se sente pressionado e sequer explorado. Quer mais? Pasme: nem aceitam gorjeta!
 


A maioria das pessoas que chega até Alter do Chão acaba passando o dia lagartixando numa espreguiçadeira na Praia do Amor,  deitadas em redes debaixo da sombra das barracas ou de molho na água, sentadas em cadeirinhas de plástico. Mas, é um pecado viajar para um destino tão exótico e não aproveitar um generoso leque de atrativos que só pode ser desvendado de barco. Caso você chegue na vila no meio da tarde, agende o primeiro programa com um passeio para admirar o pôr do sol, um evento que é levado muito a sério nestas redondezas. Logo, vai dar para entender o porquê. Vá de lancha ligeira ou embarque numa simpática bajara, e em cerca de meia hora você vai estar pisando num banco de areia chamado Ponta do Cururu, onde o grande finale são os últimos raios de sol derretendo vagarosamente no horizonte enquanto alguns botos marotos fazem peripécias a poucos metros da areia.

A praia do Amor é um dos recantos prediletos dos turistas

Deixe agendado com o barqueiro o passeio da manhã seguinte, para que possa tirar proveito do dia inteiro. O itinerário tem que incluir o Igarapé do Macaco, onde se penetra com a embarcação numa "piscina" gelada e absolutamente translúcida, com água que bate só até a cintura, ideal para dar umas braçadas e fugir dos mosquitinhos.



Toda a área é banhada por uma vegetação endêmica e o fundo é de areia fofa. Segundo o guia, ali dá muito tucunaré e tambaqui, peixes tipicamente amazonenses. Em seguida, é hora de conhecer a Ponta do Muretá e a do Caxambú, onde as paradas estratégicas são para se refrescar no rio, já nem tão transparente, mas muito convidativo. Apenas tome cuidado com a correnteza, aparentemente inofensiva, porém capaz de arrastar você por muitos metros.

 Depois, vale um desvio para conhecer o lago Jucuruir , antes de reabastecer as energias com uma cervejinha, um côco gelado ou uma caipirinha e um almoço à base de peixe em um dos inúmeros restaurantes que se encravaram ao longo das margens do Tapajós.


O do Lica, como qualquer um deles, oferece até um serviço de praia sui generis: através de celular, você liga para um dos números que estão marcados numa folha grudada na estrutura superior da barraca e faz o pedido. Assim, não desperdiça tempo. Explicação: as cadeiras,  mesas com cobertura de piaçava e  espreguiçadeiras,  ficam literalmente dentro d´ água, e a cozinha, digamos, muito mais distante. E a esta altura, como já passa do meio dia,  o recomendável é ficar na sombra para evitar insolação. No Pará, a temperatura atinge a estratosfera e todo cuidado é pouco, mesmo para quem está acostumado com o sol dos trópicos. Chapéu e protetor  são imprescindíveis. E´ também por esta razão que o barqueiro evita navegar nesta hora e espera até amenizar um pouco o pique da quentura. Mais tarde, o roteiro prossegue até o pequeno igarapé de Iruçanga,  no qual penetramos a pé até chegar ao poço de água gélida, onde dá para mergulhar de corpo inteiro - a esta altura da tarde escaldante, é uma das sensações térmicas mais refrescantes que alguém possa idealizar.

Barraquinhas  na beira do Tapajós: mordomias e águas mornas


Quando não é o rio que atrai os turistas, o foco de atenção se concentra nos arredores da Praça 7 de Setembro, onde fica o coreto, as lojinhas de artesanato, as barraquinhas de comes e bebes, os restaurantes, os bares, o pequeno supermercado, uma farmácia e a igreja. Ali, o movimento de pessoas é constante, até mesmo no meio do dia, quando o calor sufoca. Se o intuito é ir às compras, o artesanato indígena é o mais interessante: entre talhas de madeira, objetos de decoração representando animais da floresta amazônica, cestos coloridos trançados à mão, cerâmicas, redes e outras muitas bugigangas, dá para encher uma mala inteira. Mas não deixe de dar uma bisbilhotada nas barracas montadas próximo à praia, onde vendem lindos chapéus de palha.


 Em Alter, você vai logo perceber o quanto o espírito de hospitalidade é uma característica inata do paraense, e não é à toa que qualquer forasteiro se sente imediatamente à vontade. Até mesmo a turma de estrangeiros que se mudou para lá sem pestanejar consegue lidar com o povo na maior desenvoltura, e o mais incrível é captar no ar esta sintonia que reina entre culturas tão diferentes. 

Isso se refletiu até na gastronomia local, ornamentando os pratos oferecidos pelos diversos cardápios, estejam eles escritos em português ou em qualquer outro idioma. Nos restaurantes dos gringos, as caipirinhas são criativas, os pratos inovadores e, não raro, mesclados com ingredientes regionais. Você pode degustar desde um caruru incrementado -  a base é um ensopado de quiabo com pedaços de frango ou carne - até sobremesas ousadas, como um suculento cheesecake servido no copo, turbinado com castanha do Pará.



Se preferir algo mais legítimo, vá perambular pelas barraquinhas para experimentar um tacacá, prato indígena a base de tucupi e camarão seco, servido como um caldo. E nada como beliscar uns chips de banana achando que comprou um saco de batatas fritas. Come-se muito bem em Alter, surpreendentemente bem. Ao anoitecer, uma turma eclética vai emergindo lentamente e se reúne em torno de mesas colocadas na calçada próximo à praça, para bebericar ou jantar al fresco. Nos finais de semana a noitada é animada com música ao vivo, e o ambiente é sempre descontraído, o clima de confraternização, não importa a origem, faixa etária e nem a hora. O serviço é íntimo, e o dono está sempre por perto, conversando com quem quiser trocar dois dedos de prosa. Ao mesmo tempo em que você relaxa ao som de uma balada dos anos 80, no coreto o povo confraterniza ao som de uma banda, dançando carimbó. Em Alter do Chão, não há cacofonia, tudo é harmonia.



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