quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Anegada Beach Club, Anegada, Ilhas Virgens Britânicas, Caribe


Mesmo só tendo ancorado lá por um dia, e isso há vinte anos atrás, confesso que de todas as 60 ilhas que formam o bucólico arquipélago das Ilhas Virgens Britânicas , Anegada foi a única que nunca me fugiu  da memória. E´  a ilha com mais persona que já conheci.


Pensando bem, talvez seja devido ao seu nome esdrúxulo,  daqueles que, mesmo contra a sua vontade, fica quase impossível de esquecer. Não, claro que não é só o nome, cujo significado no idioma de Cervantes quer dizer "afundada". Faz jus: esta ilha de origem coralina está a apenas 10 metros acima do nível do mar,  ou seja, de longe Anegada fica praticamente imperceptível. 


E´ também a mais pitoresca, enraizada de tal modo em seu ritmo de vida e rotina do dia-a-dia que os seus 240 habitantes mal percebem que o mundo mar afora já gira em outra cadencia há décadas. Quanto ao arquivo de imagens  embaçadas pelo tempo, aquelas que surgem espontaneamente diante dos olhos quando a gente quer relembrar algum lugar excepcional, pois bem, elas retratavam uma ilha alinhavada por praias encantadoras  e muitas, muitas, muuuuitas  lagostas. Lagostas ?! Sim, Anegada é reputada pelos seus viveiros e conseguiu transformar o crustáceo em sua  marca registrada. Ou cria da casa, se preferir.


Então não foi por motivos toscos que fiquei extremamente animada quando surgiu a oportunidade de voltar a pisar naquela ilha por ocasião do II Festival da Lagosta, no comecinho de dezembro. 


Este evento, que se realizou pela primeira vez no final do ano 2013, foi criado com a intenção de angariar mais turistas para aquelas bandas, e promover Anegada como um nicho gastronômico, todavia bastante pontual. Só que transformar um modus vivendus  pacato num ambiente festivo de balada é o grande desafio dos mentores e organizadores locais deste festival. 

Símbolo de Anegada, a lagosta e um prato cheio!
E bota desafio nisso... E´ preciso salientar que Anegada sempre se manteve naturalmente segregada pelos corais que impedem ou pelo menos dificultam ao máximo o acesso. Consequentemente, acaba que ela fica fora da mira dos holofotes, limitando o número de visitantes a velejadores mais intrépidos que precisam ter destreza no timão. 


Basta dizer que no sudeste da ilha, numa extensão de 4 quilômetros conhecida como Horseshoe Reef, constam nada menos que 300 naufrágios. Entrar de barco, séculos após os pioneiros espanhóis, ainda exige cuidados extremos. Primeiro, o tempo tem que estar bom, com sol a pino, para que você possa enxergar o fundo do mar. O ideal é zarpar de North Sound, em Virgin Gorda, por volta das  8h 30 e seguir à risca a carta náutica.  Ao se aproximar de Anegada, certifique-se de estar entre  Pomato e Setting Point, além das boias vermelhas que identificam a entrada. E´ o único ponto de acesso livre dos corais. E não dispense o croque no final do processo de  manobra, para evitar arranhões na quilha.




Por outro lado, quem não está de barco fica dependendo da balsa que sai de Tortola de quando em quando, nem todos os dias e nem toda hora. Em certas ocasiões, o mar não está nem para peixe e muito menos para balsas. E como os aviõezinhos que decolam de Beef Island para fazer o trajeto de 15 minutos até Anegada costumam levar apenas cinco ou seis passageiros, já viu que não é tão óbvio chegar lá.

Nosso simpático piloto...

8 hs 45m, 2hs30m, 45 minutos, 12 minutos- em 4 aviões. Traduzindo em miúdos, esse é o tempo exato que demorei para voar do Brasil e aterrissar em Anegada. Maratona, sim,  mas vale o esforço. Ao desembarcar do bimotor da Viairlink, você se depara com um aeroporto do tamanho de uma casa de bonecas. A sensação é de ter sido transportado para um lugar completamente segregado do resto da civilização globalizada. 
Vista da varanda do quarto : confortável e acolhedor, o hotel tem luxo rústico

E, pasme ! a sensação não poderia ser mais acalentadora. Até mesmo reconfortante, mágica. E para quem tinha vagas lembranças visuais, foi como ajustar o foco da máquina fotográfica : bastou um olhar panorâmico no cenário e a jornada de 25 minutos na boleia do taxi-truck para conferir que nada ( ou quase nada) havia mudado desde 1994!!! 

...a praia deserta em frente ao hotel é um luxo só!

Durante o trajeto pela única estrada asfaltada que circunda a ilha, notei apenas a presença de mais algumas casitas de madeira, certamente para veranistas,  e sempre construídas naquele simpático estilo arquitetônico caribenho, com cores vivas e varandas aconchegantes. Pelo caminho, cruzamos com dois veículos, uma moto, uma vaca perambulando sem rumo e cinco cabritos. Só. E depois de sacolejar mais um bocado, finalmente chegamos ao Anegada Beach Club. Nosso hotel é um dos estabelecimentos mais confortáveis e promissores, ainda que básico. Os quartos todos têm ar, televisão, cama king size, muitos travesseiros e até amenidades L´Occitanne. A localização é divina:  vinte passos separam você de uma praia deserta quilométrica.

As praias são estreitas, de areia e praticamente desertas o ano inteiro.

 O Festival da Lagosta só começaria dois dias depois, o que significava tempo de sobra para explorar Anegada. No programa, visita ao santuário de flamingos rosas , uma  voltinha pelo Settlement, única vila e onde habitam quase todos os 250 moradores, e, claro, provar biritas típicas como o Pain Killer ( uma mistureba de rum, nós moscada, suco de laranja e suco de abacaxi), e o ceviche de conch - um molusco gigantesco que se espalha por todos os cantos e que se tornou uma iguaria típica.  Mas, com a temperatura acima dos 35 graus, o melhor mesmo seria tirar o máximo de proveito da dobradinha praia-e-sol. Para boas braçadas, a água do mar, tépida e transparente como gim, também seduz. Porém, mesmo com poucas ondas, é uma atração perigosa devido à forte correnteza.



 Os (poucos) turistas que circulam pela ilha, conhecendo praia após praia, se deslocam em vespas e os mais dispostos de bicicleta. Tudo, inclusive carros, se aluga perto do único ancoradouro em Setting Point. Espalhados por ali  você encontra também  o terminal de ferry,  e  as lojinhas de souvenirs, com as bugigangas de sempre: cangas, shorts, camisetas, bonés, bonecos e algum artesanato. Me surpreendeu encontrar charutos cubanos, e dos bons, porém caros: paguei U$ 10 por um Cohiba.


Se estiver naquela área, você pode tomar café, almoçar ou jantar no restaurante do hotel mais antigo da ilha, o Anegada Reef, cujas estrelas são devidas a localização privilegiada muito mais do que pelas suas acomodações, instalações ou serviços. Juntinho ao mar,  é um point ideal, de onde você pode observar o vai-e-vem de barcos, de gente, dos pescadores e a manipulação dos viveiros de lagostas. Um pier de madeira forma uma marina composta por um bar, uma sorveteria e uma loja de equipamentos de mergulho. Mais adiante, delineando o mar, você pode caminhar  numa nesguinha de areia bordada por dois ou três restaurantes, nos quais os pratos a base de lagosta são os mais alardeados.
O Anegada Reef, pioneiro na hospitalidade

Diante da vegetação rasteira que encobre tudo que não é arenoso - uma paisagem que não mudou em nada ao longo de duas décadas-  a pergunta é inevitável : porque ainda não se planta nada em Anegada? Certamente não é por falta d´água, pois me lembrei que além de um eficiente sistema de dessalinização, a ilha tem várias lagoas, açudes e poços de água doce. A resposta, dada pelo nosso simpático motorista de táxi-truck, é de que "plantar  dá muito trabalho" . Nada mais adequado para traduzir a índole fleumática dos ilhéus. 
Estradinha de terra em Anegada

 Alguns velejadores franceses, que se fartaram de tanto comer lagosta, também ficaram entusiasmados com o festival e mencionaram que um projeto semelhante poderia ser implantado em Cancale, uma região da Bretanha famosa pelas suas ostras. Quem sabe, Anegada, em sua genuína estrutura e personalidade selvagem marcante, acaba se tornando uma fonte de inspiração?


Nenhum comentário:

Postar um comentário