Mesmo
só tendo ancorado lá por um dia, e isso há vinte anos atrás, confesso que de
todas as 60 ilhas que formam o bucólico arquipélago das Ilhas Virgens
Britânicas , Anegada foi a única que nunca me fugiu da memória. E´ a ilha com mais persona que já conheci.
Pensando bem, talvez seja devido
ao seu nome esdrúxulo, daqueles que,
mesmo contra a sua vontade, fica quase impossível de esquecer. Não, claro que
não é só o nome, cujo significado no idioma de Cervantes quer dizer "afundada".
Faz jus: esta ilha de origem coralina está a
apenas 10 metros acima do nível do mar,
ou seja, de longe Anegada fica praticamente imperceptível.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgj0PA6JLXhr2_hqnB-q87Sp_Wp_pccubEi769owfL8Im-WAIvJVCvN7xKHRF8BfGzMFfiLwTNaH2mvlUZzUvTd2A6XUhLyPQAHY6VcSOXPV_CAw8uFjWpBM2znZ3oAcwO-YSwrax__mKFk/s320/IMG_7983.JPG)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh_K2mfbplGuQEt5wm1Hd9-kIb07WXB0PYXw3qV7Jzlc2yQE17lmleGerynsevp4Pe3TXnXOQkKuEay9cSpX96odiTJss_pV2jHjwJIvg63ZoYy-z7eK3eDUet2Es5ntzIMuvRLvXkCdTun/s320/IMG_8001.JPG)
E´ também a mais pitoresca, enraizada de tal
modo em seu ritmo de vida e rotina do dia-a-dia que os seus 240 habitantes mal
percebem que o mundo mar afora já gira em outra cadencia há décadas. Quanto ao
arquivo de imagens embaçadas pelo tempo,
aquelas que surgem espontaneamente diante dos olhos quando a gente quer
relembrar algum lugar excepcional, pois bem, elas retratavam uma ilha
alinhavada por praias encantadoras e
muitas, muitas, muuuuitas lagostas. Lagostas
?! Sim, Anegada é reputada pelos seus viveiros e conseguiu transformar o
crustáceo em sua marca registrada. Ou
cria da casa, se preferir.
Então
não foi por motivos toscos que fiquei extremamente animada quando surgiu a
oportunidade de voltar a pisar naquela ilha por ocasião do II Festival da
Lagosta, no comecinho de dezembro.
Este evento, que se realizou pela primeira
vez no final do ano 2013, foi criado com a intenção de angariar mais turistas
para aquelas bandas, e promover Anegada como um nicho gastronômico, todavia
bastante pontual. Só que transformar um modus
vivendus pacato num ambiente festivo
de balada é o grande desafio dos mentores e organizadores locais deste
festival.
E bota desafio nisso... E´
preciso salientar que Anegada sempre se manteve naturalmente segregada pelos
corais que impedem ou pelo menos dificultam ao máximo o acesso.
Consequentemente, acaba que ela fica fora da mira dos holofotes, limitando o
número de visitantes a velejadores mais intrépidos que precisam ter destreza no
timão.
Basta dizer que no sudeste da ilha, numa extensão de 4 quilômetros conhecida
como Horseshoe Reef, constam nada menos que 300 naufrágios. Entrar de barco,
séculos após os pioneiros espanhóis, ainda exige cuidados extremos. Primeiro, o
tempo tem que estar bom, com sol a pino, para que você possa enxergar o fundo
do mar. O ideal é zarpar de North Sound, em Virgin Gorda, por volta das 8h 30 e seguir à risca a carta náutica. Ao se aproximar de Anegada, certifique-se de
estar entre Pomato e Setting Point, além
das boias vermelhas que identificam a entrada. E´ o único ponto de acesso livre
dos corais. E não dispense o croque no final do processo de manobra, para evitar arranhões na quilha.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi33W1-g6WODJDrjKUdWgrCWA28HsQF7X66uDLiX3EZ88RiQVeq5NI-KSKVTNkKZL9Dl0frMsGmMVFhTXwY2PMWsl2VQgy6vkrFBK-7ZLyk1YIGVgbVF_4sO-tjUB_TNy3VxVAl9QRz3wrt/s320/IMG_8089.JPG)
8 hs
45m, 2hs30m, 45 minutos, 12 minutos- em 4 aviões. Traduzindo em miúdos, esse é
o tempo exato que demorei para voar do Brasil e aterrissar em Anegada.
Maratona, sim, mas vale o esforço. Ao
desembarcar do bimotor da Viairlink, você se depara com um aeroporto do tamanho
de uma casa de bonecas. A sensação é de ter sido transportado para um lugar
completamente segregado do resto da civilização globalizada.
E, pasme ! a sensação não poderia ser mais
acalentadora. Até mesmo reconfortante, mágica. E para quem tinha vagas
lembranças visuais, foi como ajustar o foco da máquina fotográfica : bastou um
olhar panorâmico no cenário e a jornada de 25 minutos na boleia do taxi-truck para conferir que nada ( ou
quase nada) havia mudado desde 1994!!!
Durante o trajeto pela única estrada
asfaltada que circunda a ilha, notei apenas a presença de mais algumas casitas
de madeira, certamente para veranistas,
e sempre construídas naquele simpático estilo arquitetônico caribenho,
com cores vivas e varandas aconchegantes. Pelo caminho, cruzamos com dois
veículos, uma moto, uma vaca perambulando sem rumo e cinco cabritos. Só. E
depois de sacolejar mais um bocado, finalmente chegamos ao Anegada Beach Club.
Nosso hotel é um dos estabelecimentos mais confortáveis e promissores, ainda
que básico. Os quartos todos têm ar, televisão, cama king size, muitos
travesseiros e até amenidades L´Occitanne. A localização é divina: vinte passos separam você de uma praia
deserta quilométrica.
As praias são estreitas, de areia e praticamente desertas o ano inteiro. |
O Festival da Lagosta só começaria dois dias
depois, o que significava tempo de sobra para explorar Anegada. No programa,
visita ao santuário de flamingos rosas , uma
voltinha pelo Settlement, única vila e onde habitam quase todos os 250
moradores, e, claro, provar biritas típicas como o Pain Killer ( uma mistureba
de rum, nós moscada, suco de laranja e suco de abacaxi), e o ceviche de conch - um molusco gigantesco que se
espalha por todos os cantos e que se tornou uma iguaria típica. Mas, com a temperatura acima dos 35 graus, o
melhor mesmo seria tirar o máximo de proveito da dobradinha praia-e-sol. Para
boas braçadas, a água do mar, tépida e transparente como gim, também seduz.
Porém, mesmo com poucas ondas, é uma atração perigosa devido à forte
correnteza.
Os (poucos) turistas que circulam pela ilha,
conhecendo praia após praia, se deslocam em vespas e os mais dispostos de
bicicleta. Tudo, inclusive carros, se aluga perto do único ancoradouro em
Setting Point. Espalhados por ali você
encontra também o terminal de
ferry, e
as lojinhas de souvenirs, com as bugigangas de sempre: cangas, shorts,
camisetas, bonés, bonecos e algum artesanato. Me surpreendeu encontrar charutos
cubanos, e dos bons, porém caros: paguei U$ 10 por um Cohiba.
Se
estiver naquela área, você pode tomar café, almoçar ou jantar no restaurante do
hotel mais antigo da ilha, o Anegada Reef, cujas estrelas são devidas a
localização privilegiada muito mais do que pelas suas acomodações, instalações
ou serviços. Juntinho ao mar, é um point
ideal, de onde você pode observar o vai-e-vem de barcos, de gente, dos
pescadores e a manipulação dos viveiros de lagostas. Um pier de madeira forma
uma marina composta por um bar, uma sorveteria e uma loja de equipamentos de
mergulho. Mais adiante, delineando o mar, você pode caminhar numa nesguinha de areia bordada por dois ou
três restaurantes, nos quais os pratos a base de lagosta são os mais
alardeados.
O Anegada Reef, pioneiro na hospitalidade |
Diante
da vegetação rasteira que encobre tudo que não é arenoso - uma paisagem que não
mudou em nada ao longo de duas décadas-
a pergunta é inevitável : porque ainda não se planta nada em Anegada?
Certamente não é por falta d´água, pois me lembrei que além de um eficiente
sistema de dessalinização, a ilha tem várias lagoas, açudes e poços de água
doce. A resposta, dada pelo nosso simpático motorista de táxi-truck, é de que
"plantar dá muito trabalho" .
Nada mais adequado para traduzir a índole fleumática dos ilhéus.
Alguns velejadores franceses, que se fartaram de tanto comer lagosta, também
ficaram entusiasmados com o festival e mencionaram que um projeto semelhante
poderia ser implantado em Cancale, uma região da Bretanha famosa pelas suas
ostras. Quem sabe, Anegada, em sua genuína estrutura e personalidade selvagem marcante,
acaba se tornando uma fonte de inspiração?
Nenhum comentário:
Postar um comentário