sábado, 4 de junho de 2016

Pousada Atmã, Chapada dos Guimarães, Mato Grosso, Brasil


Chapada dos Guimarães: aventuras a 1000 metros de altitude 

Às 10:30 da noite, a cidadezinha da Chapada dos Guimarães já estava completamente deserta. Uma névoa fina encobria o cume das árvores da única praça do centro , onde está erguida desde o século XIX a Igreja N. S. Santana do Sacramento, a única no Brasil a exibir um S. José de Botas. O termômetro digital, símbolo dos tempos modernos, marcava 12 graus.

Vista panorâmica sobre a Cidade de Pedra


Emoldurado por imponentes penhascos , o Parque Nacional de Chapada dos Guimarães tem 33 mil hectares e foi criado em 1989. Enaltecido como o Eldorado na opinião de alguns, esta chapada que era encoberta pelo mar há mais de trezentos milhões de anos atrás, é famosa pelo magnetismo de suas formações rochosas em arenito, suas cachoeiras grandiosas e dezenas de sítios arqueológicos.  Sem contar com a paisagem exuberante e uma fauna e flora riquíssimas. Para se ter uma idéia, a região abriga desde onças pintadas a lobos-guarás, passando por aves belíssimas como tucanos , papagaios e araras. Além disso, foram catalogadas mais de 4 mil plantas medicinais.

Cachoeira Andorinhas


 Em suma, o parque é um santuário para os adeptos do ecoturismo e amantes da natureza primitiva – uma biodiversidade total,  serra do mar, mata atlântica, mata primária e cerrado. e simples. Só tem cerrado onde foi deserto.
Um momento para se refrescar em uma cachoeira
Localizada a 900 metros de altitude mas somente a 61 quilômetros de Cuiabá, capital do Mato Grosso, a Chapada é facilmente acessada pelo asfalto por uma estrada impecável e muito bem sinalizada. Mesmo no escuro, com vivalma para obter qualquer informação  - ou auxílio, vá que precisasse! -  o percurso entre o aeroporto e o povoado é tranqüilo. Há quem suba e desça a serra diariamente, pois gastará menos de uma hora dirigindo.


Me lembro que a primeira vez que fui, éramos 4 mulheres - desacompanhadas. No entanto, a  rotina de três dias não seria diferente da programação da maioria dos visitantes : caminhar, caminhar e...caminhar. Horas a fio. Até porque o único jeito de explorar o parque é a pé, através de  trilhas estreitas beirando precipícios, serpenteando o cerrado e se embrenhando na mata. Apesar de não ser obrigatório em todos os passeios, manda o bom senso contratar um guia.


Num determinado momento, o sol faz com que efeitos visuais surpreendentes ocorram dentro da grota

 E assim foi feito. Durante toda a nossa estadia, da manhã ao crepúsculo, seguimos os passos do Gilberto, um professor paulistano que tinha se mudado para a Chapada fazia alguns anos  e conhecia cada árvore e cada pedacinho da vegetação como a palma da mão. E dos pés. Estes , aliás, ele recomendava ( e dava o exemplo) que estivessem sempre protegidos por sapatos apropriados para as longas caminhadas e meias devidamente embebidas com repelente contra carrapatos. As mordidas destas minúsculas ( praticamente invisíveis a olho nu) e infames criaturas, que habitam o cerrado ralo,  causam uma tal coceira que leva qualquer mortal ao desespero.
A conhecida Ponte de Pedra, formação geológica

O programa do primeiro dia começou logo depois do café da manhã, já na companhia do guia. A poucos quilômetros da cidade fica a entrada do parque para quem vai fazer o itinerário das cachoeiras, que logo começa com o impressionante visual do Véu da Noiva, uma queda de 86 metros localizada entre dois cânions. Infelizmente, ela só pode ser admirada de longe, embora sob vários ângulos. Isso porque, explicou Gilberto, ocorreram alguns acidentes com turistas incautos que se aventuraram além dos limites estabelecidos pelas trilhas e escorregaram. Resgatá-los foi um verdadeiro transtorno, pois só pode ser feito com helicóptero. A vegetação que fica no fundo dos penhascos é densa e praticamente intransponível, em contraste com o cerrado ralo da chapada. Mesmo nas trilhas abertas ao público e bem demarcadas, qualquer deslize pode ser fatal, já que muitas vezes se anda a menos de um metro da beirada do abismo. Pouco indicado para quem sofre de vertigem. Se for o seu caso, abstenha-se de esticar o pescoço.
A igrejinha na cidade é antiga e bem conservada. Data de 1776

Porisso é que as caminhadas são sempre feitas em fila indiana. Anda-se com determinação, mas o ritmo é relaxado, afinal ninguém está participando de uma maratona. Mas o aparato é como se fosse:  mochila nas costas, devidamente abastecida com garrafinhas de água mineral , algumas maçãs para saciar a fome e vários tubos de protetor solar com UVA e  SPF diversificados (afinal, quando bate o sol causticante do cerrado dá até para pegar um bronze!).  Imprescindível, sim, é o boné na cabeça para evitar insolação, óculos escuros e, muito embora estamos todas de biquíni por debaixo, optar pela calça comprida ao invés de short é uma questão de sobrevivência: ela serve para se prevenir contra arranhões de galhos ou espinhos.
Véu da Noiva: cartão postal da Chapada dos Guimarães

Energia também é fundamental. Mas não necessariamente é preciso ser tri-atleta para percorrer o traçado das cachoeiras que serpenteia . E´ lá que estão algumas das mais belas atrações do parque. Na pauta estão implicadas descidas e subidas, algumas bem íngremes como a das Andorinhas e Independência, mas, convenhamos, não nos deparamos com nada radical. Além do Véu da Noiva, que vem a ser o cartão postal da Chapada de Guimarães,  o roteiro incluía outras três cachoeiras. Na do Pulo, o guia achou que já estava na hora do recreio e  mandou que se tirasse a roupa ( no bom sentido, é claro!)  para mergulhar de cima da pedra para dentro da piscina natural que se forma abaixo, a três metros de altura. Afinal, esta cachoeira tinha que fazer jus ao nome. Bom mesmo é pular de uma vez sem pestanejar, já que é para levar um choque com a água gélida. Essa só pega os desprevenidos ( e, é claro, literalmente, os mais atirados.)   Se você for experimentar, entre devagarinho...e aproveite para curtir uma autêntica ducha escocesa com o volume d’água que jorra por cima da pedra.  Após duas horas de caminhada, vale este merecido descanso e um bom banho de sol. 

Cachoeira 7 de Setembro

A próxima etapa foi a Cachoeira do Degrau, onde uma prainha convidativa é o maior atrativo do local . Mas ninguém teve mais ânimo de mergulhar. Logo em seguida, foi a vez das Andorinhas, onde o esforço feito para acessá-la costuma ser coroado por um arco-íris irradiado na pedra . E quando faltava apenas uma esticada para conhecer a Cachoeira da Independência, uma sensação de fome extremamente aguçada pairou sobre as meninas.

Formações rochosas dramáticas
Mas só foi lá pelas horas tantas da tarde que o grupo chegou de volta para almoçar no restaurante da entrada do parque. E o cardápio foi um daqueles bem típicos mato-grossenses:  picanha na telha com banana e aipim frito e piraputanga com pirão. Traduzindo em miúdos esta deliciosa culinária regional, trata-se de fatias de carne grelhadas  numa chapa quente e servidas diretamente na mesa , o que torna a picanha suculenta e macia como manteiga. O outro  prato nada mais é do que um dos inúmeros peixes de rio que povoa a região. Tudo regado à água de côco ( tem isso lá também, pode acreditar) e cervejinha.  


O dia terminou com fecho de ouro : fazendo shopping no centrinho da pequena cidade. Shopping ? Isso mesmo. Só que, ao invés de fuçar as lojinhas, onde se compra desde bugigangas a camisetas temáticas, o impulso foi entrar na loja de artesanato indígena . Lá, estão à venda objetos, tapetes, redes, cocares, bancos e cestas confeccionados por índios de diversas nações, oriundos do País inteiro. Pois foram os silvícolas que primeiro ergueram a igrejinha que ornamenta a praça principal e que, supostamente, também cavaram um túnel subterrâneo dentro dela. A construção, que originalmente era de barro, desmoronou duas vezes por causa do vento forte e teve que ser refeita, desta vez em alvenaria.
Vista deslumbrante sobre os paredões 

O programa ia começar muito cedo no dia seguinte, pois era preciso conhecer a Cidade de Pedra, atração imperdível, mas que deve ser visitada no pôr-do-sol. Antes disso, iríamos até a Lagoa Azul, cujo melhor horário se situa entre uma e duas horas da tarde devido ao fenômeno que ocorre quando os raios do sol refletem na água e ao qual ela deve o seu nome.

 Aliás, existe uma explicação na origem dos nomes que invocam céu e inferno, Deus e o diabo : é herança dos Jesuítas que aqui estiveram no início e em meados do século XVIII junto com a Bandeira de Pascoal Moreira Cabral . Tudo que está encima é rotulado com nome divino, como o próprio Véu da Noiva, mas tudo que fica embaixo é carimbado de maneira oposta, vide a Caverna Aroe Jari : em bom português, isto significa “ das Almas”.  Esta caverna, que está localizada no mirante do centro geodésico, fica acessível somente nos meses de seca, ou seja, de junho a novembro. Dá para entrar até um certo ponto, sempre com uma lanterna na mão. 
caminhar debaixo de sol exige cuidados

Quando é época das chuvas, ela é quase toda inundada. Faz frio lá dentro e uma sensação de arrepio costuma tomar conta de quem tem medo do escuro.  O interessante é que existe uma ligação entre esta caverna e a Lagoa Azul. Nesta lagoa, onde hoje não é mais permitido nadar, ocorre um fenômeno ainda inexplicável cientificamente: numa determinada hora, quando o sol bate na água, esta adquire a cor azul turquesa . Só um fundo de corais justificaria esta metamorfose. No entanto, o chão é de areia e não há qualquer vestígio de outro componente geológico. Um mistério que está a seis metros de profundidade.


A Cidade de Pedra realmente precisa ser deixada por último, para que se possa apreciar uma paisagem vertiginosa, digna de tirar o fôlego tanto pela beleza como a majestade. A hora do pôr-do-sol vem trazer ainda mais emoção ao ambiente, quando estampa-se um jogo de luz que se projeta nas falésias, fazendo com que as formações rochosas adquirem uma tonalidade rosa e alaranjada e ângulos diferentes. A vegetação fica dourada e o silêncio do final de tarde é entremeado pelos gritos dos casais de araras vermelhas que fazem vôos rasantes e se abrigam nos seus ninhos colados aos paredões. No fundo, a perder de vista, a imensidão da Chapada. Realmente, o espetáculo é quase indescritível.
Suite da Pousada Atmã, conforto com o luxo  da vista  indevassável.

Ainda deixamos para trás muitas atrações, como o Morro de São Jerônimo, considerado por muitos como o ponto culminante do parque, devido à vista panorâmica sobre toda a Chapada de Guimarães. Faltou igualmente uma visita ao Morro do Cambambi, cuja palavra significa gigante. Corre uma lenda que nesse morro existe um pássaro chamado Trois, e que quem o avista será feliz para sempre. Tudo bem. Estas emoções ficaram para as próximas vezes em que visitei esta Chapada tão emblemática.

Naquela época, a infraestrutura da Chapada dos Guimarães ainda era simples, carecia de pousadas sofisticadas. Hoje, o cenário mudou. Da última  vez que estive lá, fiquei hospedada na Atmã, uma pousada dublê de restaurante com apenas duas suítes luxuosas, de cara para os paredões - ou seja, um visual extravagante, indevassável, daqueles que você não consegue desgrudar os olhos. A suíte em que ficamos também era super bem transada, ampla, com uma cama king, lençóis de linho e amenidades Occitane. Não fica no centro da vila mas a localização vale a pena. Você tem a sensação de estar sozinho diante da imensidão da Chapada, um fenômeno da natureza,  Ainda mais que serve uma comida muito saborosa, então à noite nem precisa se preocupar em pegar o carro. A vista do restaurante também é fabulosa. O mais simpático era a presença dos donos, sempre com um gesto carinhoso e preocupados em agradar. 
     

Qualquer paisagem merece ser admirada na hora do pôr-do-sol, quando a luminosidade cria efeitos nos paredões, impregnando tonalidades que vão do rosa ao dourado. Um espetáculo único, emoldurado por um panorama vertiginoso. 
  

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