Chapada dos Guimarães: aventuras a 1000 metros de altitude |
Às 10:30 da noite, a cidadezinha da Chapada dos Guimarães
já estava completamente deserta. Uma névoa fina encobria o cume das árvores da
única praça do centro , onde está erguida desde o século XIX a Igreja N. S.
Santana do Sacramento, a única no Brasil a exibir um S. José de Botas. O
termômetro digital, símbolo dos tempos modernos, marcava 12 graus.
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Vista panorâmica sobre a Cidade de Pedra |
Emoldurado por imponentes
penhascos , o Parque Nacional de Chapada dos Guimarães tem 33 mil hectares e foi
criado em 1989. Enaltecido como o Eldorado na opinião de alguns, esta chapada
que era encoberta pelo mar há mais de trezentos milhões de anos atrás, é famosa
pelo magnetismo de suas formações rochosas em arenito, suas cachoeiras
grandiosas e dezenas de sítios arqueológicos. Sem contar com a paisagem exuberante e uma fauna e flora riquíssimas.
Para se ter uma idéia, a região abriga desde onças pintadas a lobos-guarás,
passando por aves belíssimas como tucanos , papagaios e araras. Além disso, foram
catalogadas mais de 4 mil plantas medicinais.
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Cachoeira Andorinhas |
Um momento para se refrescar em uma cachoeira |
Localizada a 900 metros de
altitude mas somente a 61 quilômetros de Cuiabá, capital do Mato Grosso, a
Chapada é facilmente acessada pelo asfalto por uma estrada impecável e muito
bem sinalizada. Mesmo no escuro, com vivalma para obter qualquer
informação - ou auxílio, vá que
precisasse! - o percurso entre o
aeroporto e o povoado é tranqüilo. Há quem suba e desça a serra diariamente,
pois gastará menos de uma hora dirigindo.
Me lembro que a primeira vez que fui, éramos 4 mulheres - desacompanhadas. No entanto, a rotina de três dias não seria diferente da programação da maioria dos
visitantes : caminhar, caminhar e...caminhar. Horas a fio. Até porque o único
jeito de explorar o parque é a pé, através de
trilhas estreitas beirando precipícios, serpenteando o cerrado e se embrenhando
na mata. Apesar de não ser obrigatório em todos os passeios, manda o bom senso
contratar um guia.
Num determinado momento, o sol faz com que efeitos visuais surpreendentes ocorram dentro da grota |
E assim foi feito. Durante toda a nossa estadia, da manhã ao
crepúsculo, seguimos os passos do Gilberto, um professor paulistano que tinha se
mudado para a Chapada fazia alguns anos e conhecia cada árvore e cada
pedacinho da vegetação como a palma da mão. E dos pés. Estes , aliás, ele
recomendava ( e dava o exemplo) que estivessem sempre protegidos por sapatos
apropriados para as longas caminhadas e meias devidamente embebidas com
repelente contra carrapatos. As mordidas destas minúsculas ( praticamente
invisíveis a olho nu) e infames criaturas, que habitam o cerrado ralo, causam uma tal coceira que leva qualquer
mortal ao desespero.
A conhecida Ponte de Pedra, formação geológica |
O programa do primeiro dia começou
logo depois do café da manhã, já na companhia do guia. A poucos quilômetros da
cidade fica a entrada do parque para quem vai fazer o itinerário das
cachoeiras, que logo começa com o impressionante visual do Véu da Noiva, uma
queda de 86 metros localizada entre dois cânions. Infelizmente, ela só pode ser
admirada de longe, embora sob vários ângulos. Isso porque, explicou Gilberto,
ocorreram alguns acidentes com turistas incautos que se aventuraram além dos
limites estabelecidos pelas trilhas e escorregaram. Resgatá-los foi um
verdadeiro transtorno, pois só pode ser feito com helicóptero. A vegetação que
fica no fundo dos penhascos é densa e praticamente intransponível, em contraste
com o cerrado ralo da chapada. Mesmo nas trilhas abertas ao público e bem
demarcadas, qualquer deslize pode ser fatal, já que muitas vezes se anda a
menos de um metro da beirada do abismo. Pouco indicado para quem sofre de
vertigem. Se for o seu caso, abstenha-se de esticar o pescoço.
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A igrejinha na cidade é antiga e bem conservada. Data de 1776 |
Porisso é que as caminhadas são
sempre feitas em fila indiana. Anda-se com determinação, mas o ritmo é relaxado, afinal ninguém está
participando de uma maratona. Mas o aparato é como se fosse: mochila nas costas, devidamente abastecida
com garrafinhas de água mineral , algumas maçãs para saciar a fome e vários
tubos de protetor solar com UVA e SPF
diversificados (afinal, quando bate o sol causticante do cerrado dá até para
pegar um bronze!). Imprescindível, sim,
é o boné na cabeça para evitar insolação, óculos escuros e, muito embora
estamos todas de biquíni por debaixo, optar pela calça comprida ao invés de
short é uma questão de sobrevivência: ela serve para se prevenir contra
arranhões de galhos ou espinhos.
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Véu da Noiva: cartão postal da Chapada dos Guimarães |
Energia também é fundamental. Mas
não necessariamente é preciso ser tri-atleta para percorrer o traçado das
cachoeiras que serpenteia . E´ lá que estão algumas das mais belas atrações do
parque. Na pauta estão implicadas descidas e subidas, algumas bem íngremes como
a das Andorinhas e Independência, mas, convenhamos, não nos deparamos
com nada radical. Além do Véu da Noiva, que vem a ser o cartão postal da
Chapada de Guimarães, o roteiro incluía
outras três cachoeiras. Na do Pulo, o guia achou que já estava na hora do
recreio e mandou que se tirasse a roupa
( no bom sentido, é claro!) para
mergulhar de cima da pedra para dentro da piscina natural que se forma abaixo,
a três metros de altura. Afinal, esta cachoeira tinha que fazer jus ao nome.
Bom mesmo é pular de uma vez sem pestanejar, já que é para levar um choque com
a água gélida. Essa só pega os desprevenidos ( e, é claro, literalmente, os
mais atirados.) Se você for
experimentar, entre devagarinho...e aproveite para curtir uma autêntica ducha
escocesa com o volume d’água que jorra por cima da pedra. Após duas horas de caminhada, vale este merecido descanso e um bom banho de
sol.
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Cachoeira 7 de Setembro |
A próxima etapa foi a Cachoeira do Degrau, onde uma prainha convidativa é
o maior atrativo do local . Mas ninguém teve mais ânimo de
mergulhar. Logo em seguida, foi a vez das Andorinhas, onde o esforço feito para
acessá-la costuma ser coroado por um arco-íris irradiado na pedra . E quando faltava apenas uma esticada para conhecer a Cachoeira da
Independência, uma sensação de fome extremamente aguçada pairou sobre as
meninas.
Formações rochosas dramáticas |
Mas só foi lá pelas horas tantas
da tarde que o grupo chegou de volta para almoçar no restaurante da entrada do
parque. E o cardápio foi um daqueles bem típicos mato-grossenses: picanha na telha com banana e aipim frito e
piraputanga com pirão. Traduzindo em miúdos esta deliciosa culinária regional,
trata-se de fatias de carne grelhadas
numa chapa quente e servidas diretamente na mesa , o que torna a picanha
suculenta e macia como manteiga. O outro
prato nada mais é do que um dos inúmeros peixes de rio que povoa a
região. Tudo regado à água de côco ( tem isso lá também, pode acreditar) e
cervejinha.
O dia terminou com fecho de ouro : fazendo shopping no
centrinho da pequena cidade. Shopping ? Isso mesmo. Só que, ao invés de fuçar
as lojinhas, onde se compra desde bugigangas a camisetas temáticas, o impulso
foi entrar na loja de artesanato indígena . Lá, estão à venda objetos, tapetes,
redes, cocares, bancos e cestas confeccionados por índios de diversas nações,
oriundos do País inteiro. Pois foram os silvícolas que primeiro ergueram a
igrejinha que ornamenta a praça principal e que, supostamente, também cavaram
um túnel subterrâneo dentro dela. A construção, que originalmente era de barro,
desmoronou duas vezes por causa do vento forte e teve que ser refeita, desta
vez em alvenaria.
Vista deslumbrante sobre os paredões |
O programa ia começar muito cedo no dia seguinte, pois era
preciso conhecer a Cidade de Pedra, atração imperdível, mas que deve ser
visitada no pôr-do-sol. Antes disso, iríamos até a Lagoa Azul, cujo melhor
horário se situa entre uma e duas horas da tarde devido ao fenômeno que ocorre
quando os raios do sol refletem na água e ao qual ela deve o seu nome.
Aliás,
existe uma explicação na origem dos nomes que invocam céu e inferno, Deus e o
diabo : é herança dos Jesuítas que aqui estiveram no início e em meados do
século XVIII junto com a Bandeira de Pascoal Moreira Cabral . Tudo que está
encima é rotulado com nome divino, como o próprio Véu da Noiva, mas tudo que
fica embaixo é carimbado de maneira oposta, vide a Caverna Aroe Jari : em bom português, isto significa “ das Almas”. Esta caverna, que está localizada no mirante
do centro geodésico, fica acessível somente nos meses de seca, ou seja, de
junho a novembro. Dá para entrar até um certo ponto, sempre com uma lanterna na
mão.
caminhar debaixo de sol exige cuidados |
Quando é época das chuvas, ela é quase toda inundada. Faz frio lá dentro e
uma sensação de arrepio costuma tomar conta de quem tem medo do escuro. O interessante é que existe uma ligação entre
esta caverna e a Lagoa Azul. Nesta lagoa, onde hoje não é mais permitido nadar,
ocorre um fenômeno ainda inexplicável cientificamente: numa determinada hora,
quando o sol bate na água, esta adquire a cor azul turquesa . Só um fundo de corais justificaria esta metamorfose. No entanto, o chão é de
areia e não há qualquer vestígio de outro componente geológico. Um mistério que
está a seis metros de profundidade.
A Cidade de Pedra realmente precisa ser deixada por último, para que se possa apreciar uma
paisagem vertiginosa, digna de tirar o fôlego tanto pela beleza como a
majestade. A hora do pôr-do-sol vem trazer ainda mais emoção ao ambiente,
quando estampa-se um jogo de luz que se projeta nas falésias, fazendo com que
as formações rochosas adquirem uma tonalidade rosa e alaranjada e ângulos
diferentes. A vegetação fica dourada e o silêncio do final de tarde é
entremeado pelos gritos dos casais de araras vermelhas que fazem vôos rasantes
e se abrigam nos seus ninhos colados aos paredões. No fundo, a perder de vista,
a imensidão da Chapada. Realmente, o espetáculo é quase indescritível.
Suite da Pousada Atmã, conforto com o luxo da vista indevassável. |
Ainda deixamos para trás muitas
atrações, como o Morro de São Jerônimo, considerado por muitos como o ponto
culminante do parque, devido à vista panorâmica sobre toda a Chapada de
Guimarães. Faltou igualmente uma visita ao Morro do Cambambi, cuja palavra
significa gigante. Corre uma lenda que nesse morro existe um pássaro chamado
Trois, e que quem o avista será feliz para sempre. Tudo bem. Estas emoções ficaram para as próximas vezes em que visitei esta Chapada tão emblemática.
Naquela época, a infraestrutura da Chapada dos Guimarães ainda era simples, carecia de pousadas sofisticadas. Hoje, o cenário mudou. Da última vez que estive lá, fiquei hospedada na Atmã, uma pousada dublê de restaurante com apenas duas suítes luxuosas, de cara para os paredões - ou seja, um visual extravagante, indevassável, daqueles que você não consegue desgrudar os olhos. A suíte em que ficamos também era super bem transada, ampla, com uma cama king, lençóis de linho e amenidades Occitane. Não fica no centro da vila mas a localização vale a pena. Você tem a sensação de estar sozinho diante da imensidão da Chapada, um fenômeno da natureza, Ainda mais que serve uma comida muito saborosa, então à noite nem precisa se preocupar em pegar o carro. A vista do restaurante também é fabulosa. O mais simpático era a presença dos donos, sempre com um gesto carinhoso e preocupados em agradar.
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