quarta-feira, 5 de abril de 2017

À bordo do Legend (ou outro), Ilhas Galápagos, Ecuador

Protegido por severas leis ambientais, o pássaro curioso sequer se intimida diante das pessoas...Dá pra notar?

E esse bebê leão marinho também não...

As ilhas Galápagos mexem com a imaginação de qualquer um. Ou porque a pessoa gosta de bichos exóticos, ou estudou a teoria de Charles Darwin na escola e bem ou mal acha interessante conhecer o lugar que tanto inspirou o cientista em sua teoria da evolução, ou então simplesmente porque acha que este arquipélago - e seus habitantes - correm o risco de sumir do mapa em algumas décadas, por força de algumas circunstancias como extinção, poluição, ou algo semelhante; mas, com ou sem tietagem sobre  as teorias do nosso amigo inglês,  estas ilhas vão agradar  principalmente a quem gosta de bicho. E bicho para lá de esdrúxulo, em alguns casos.


Já vou adiantando aos  viajantes  com alma de explorador independente  que não tem como  fugir da (temida) viagem em grupo.  Sendo  o arquipélago um parque nacional, as leis são para lá de xiitas e não há como um turista se aventurar por conta própria pelas ilhas Galápagos. E mesmo em grupo, só se pode explorar algumas delas  e assim mesmo acompanhado de guias credenciados ( e xiitas!) , a bordo de alguma embarcação autorizada. Santa Cruz é a ilha -mãe, embora não seja a maior. De lá, quem escolhe ficar em terra firme tem opções para participar de excursões diárias, em geral  até as ilhas mais próximas.



Por outro lado, não resta dúvida de que os programas mais abrangentes são reservados para os cruzeiros que duram cerca de uma semana. Quem opta por ficar embarcado alguns dias tem a oportunidade de conhecer um número maior de ilhas. Há inúmeros barcos, de diversos tamanhos e estilos, oferecendo  itinerários similares pelas ilhas Galápagos.
O sofisticado iate M/Y Grace...

...e o Legend, navio de porte médio com bastante conforto e boa programação
O diferencial está no preço, conforto e número de cabines. Há desde acomodações básicas ao supremo do super luxo, como o M/Y Grace, um iate que acomoda apenas 18 passageiros em 9 espaçosas cabines, algumas com incríveis  18 metros quadrados! As amenidades são tantas que a gente até esquece que está em alto mar.  Este iate, que já pertenceu a milionários e poderosos empresários, foi construído em 1928 e desempenhou um papel importante durante a 2ª Guerra Mundial sob a bandeira britânica.  Em 1951, passou para as mãos de ninguém menos do que o próprio Onassis, que por sua vez a presenteou ao Príncipe Rainier e à Princesa Grace de Mônaco na ocasião de suas bodas. Se você se animar, saiba que no Brasil ele é representado pela Inspiration Travel.  

 Porém, quem está atado a um orçamento de simples mortal  acaba se acomodando - e até muito comodamente! - num navio maior, como o que fomos, chamado M/V Galapagos Legend,  com capacidade para uma centena de passageiros. Felizmente, estava com menos da metade. Em cerca de 5 dias, iríamos percorrer cerca de 300 milhas náuticas, navegando quase sempre durante a noite.



Primeira surpresa: Assim que acabei de descer a escada do avião que nos trazia de Guayaquil, dei de cara com uma enorme iguana que perambulava na maior tranquilidade pela pista do aeroporto. Recuperadas as malas, nos dirigimos para o ônibus que leva todos os passageiros para o porto e de lá para as suas respectivas embarcações.  Para atender aos compristas afoitos por uma lembrancinha típica, ali mesmo no ponto rodoviário, algumas tiendas vendem de tudo, desde bonés, camisetas, bolsas, e, é claro, até iguanas ...de pelúcia. Os motivos são sempre os símbolos predominantes das ilhas, ou seja, leão marinho e tartaruga.

Bartolomé

Também no pequeno cais do porto, onde se encontram os botes para nos conduzir até o navio M/V Legend, um encontro de primeiro grau com uma família de leões marinhos estatelados encima de bancos de cimento. Emitem sons claudicantes e nem sequer se dignam em demonstrar alguma curiosidade em relação aos turistas boquiabertos. Aliás,  este será o comportamento padrão das criaturas selvagens com quem vamos nos deparar nos próximos dias. Antes que alguém pense em criar amizade, um guia intervém rapidamente e informa que é proibido encostar neles, nem mesmo com a pontinha da unha!

Dia 1
Bartolomé – 1 km2
Já embarcados, é briefing para todos os recém-chegados. Os novatos precisam se familiarizar com o regulamento para saber como vai ser a vida a bordo durante os próximos 5 dias. Em outras palavras, como a vida deles vai ser esboçada na terra de Darwin. Os 39 passageiros são divididos em três grupos, cada um com seu personal guia. Nós, o denominado Albatroz, temos Roman. Ainda bem que o navio não está lotado! Não sei como iriam orquestrar 100 turistas! Alguns se entreolham. " Estamos numa colônia de férias," comenta um americano com ironia. E´ incrível, sim, tem horário para tudo : despertar às  6 : 45 e até às 7:15 tem que estar no refeitório para o desayuno , que por sua vez termina às 8 em ponto. Nos próximos dez minutos toca o sino de chamada e temos que estar a postos, colete na mão, para entrar nos respectivos botes e zarpar rumo às atividades do dia.
Logo após nossa chegada, somos convocados para uma primeira expedição. Nosso grupo, que chamei logo do grupo dos “velhos e crianças”, é composto de um casal de australianos, um casal de canadenses, um casal de finlandeses com duas crianças, quatro americanos da melhor idade, um australiano excêntrico (personagem inesquecível tatuado da cabeça aos pés), e nós, o casal de cariocas. 

Imediatamente a gente se dá conta que o ritmo se assemelha a um regime de colégio interno. As ordens são dadas  o tempo todo, com instruções repetidas para não encostar a mão em nenhum bicho, não pendurar roupa em arbustos, não catar sequer uma pena largada no chão. Por um triz o guia não usa apito para congregar o grupo. Salva vidas são sempre obrigatórios, tira, bota, tira, bota, mesmo para um trecho curtinho de bote. Entramos e saímos dele do lado que Roman manda, e da maneira como ele manda.  
Pisamos na  minúscula ilha de Bartolomé, que mede apenas 1 quilômetro quadrado. Ali tudo é árido, e o solo vulcânico como em todo o arquipélago. Na praia, a areia parece purê de batata baroa. De cara, a gente se depara com leões marinhos e pinguins de proporções diminutas. " E´ muito difícil ver pinguins por estas bandas", explica o guia. "Estes são de água quente, o que é raro". Esta espécie sobreviveu nos Galápagos, mas encolheram em tamanho. E´ a lei de Charles Darwin aplicada em cheio, penso com os meus botões, enquanto imagino os bichinhos alinhados bem encima da minha geladeira.

Nadamos literalmente ao lado de leões marinhos e tubarões!



No programa, um banho de mar para começar, com direito a snorkel e, melhor ainda,  a oportunidade de nadar literalmente ao lado de leões marinhos. A água é surpreendentemente morna, com poucas ondas. Só que além das inofensivas criaturas tem... tubarões. No entanto, assegura Roman,  " em circunstância nenhuma"  consideram os humanos comestíveis. Mesmo assim, muita gente hesita em entrar na água. Por precaução, e para ter certeza que poderia escrever esta matéria ainda com as duas mãos, evitei de mergulhar lá na parte mais funda.


À tarde , depois da siesta – sim, todo mundo tem direito a tirar um cochilo depois do almoço, servido pontualmente ao meio dia -  nos preparamos para fazer outro passeio. Desta vez, uma pequena excursão a pé pelo outro lado da ilha. Após galgar  os 365 degraus que nos separam do mirante, a gente  se debruça sobre vários topos de vulcões e praias. Pena que o tempo não ajuda, o sol foi embora, o céu ficou nublado e a luz está para lá de  ruim.



DIA 2  ISABELA , 4588 km² e Punta Espinoza
 
 A aparição súbita de humanos, mesmo passando a centímetros de suas caudas, parece não  causar nenhuma estranheza a estes répteis.


Nem amanheceu ainda. Uma musica suave, estilo new age, invade pouco a pouco a nossa cabine. Penso que é o gringo do camarote vizinho que está em final de festa. Nada disso. Em alguns segundos, uma voz tão suave quanto a das locutoras de aeroporto anunciando a saída de um vôo informa, em inglês e espanhol, que são 6 45 da manhã e que dentro de 15 minutos o café vai estar servido. Mal se passam os 15 minutos e  a mesma voz retumba pelo alto falante para avisar que "já" são las siete! Deve ser para arrancar os preguiçosos da cama. Se atrasar, é bronca na certa. E´, vamos nos acostumando com essa rotina, erh...praticamente digna de internato mesmo. Mas, vamos jogar panos quentes:  Como em qualquer lugar do mundo onde o programa envolve a presença de animais selvagens em seu habitat, nós, turistas, precisamos obedecer ao relógio deles. Em suma, tem que madrugar.


Hoje, o botinho nos leva até a Ilha Isabela, a maior em todo Galápagos. O passeio é para ver iguanas.    Contrariando  as  precisões nefastas , o tempo fica despejado e o calor é  insuportável, com a umidade a quase 100%.  Com Roman liderando,  caminhamos um atrás do outro por uma trilha pedregosa e esbarramos com algumas matronas gigantes lagartixando nos rochedos. Tudo em volta está cravejado de iguanas.  São tantas que podem ser confundidas com as próprias rochas. Mas, estes répteis não dão a mínima para estes humanos que, ocasionalmente, passam a centímetros de suas caudas. Apesar de não ter muito charme,  o comportamento das iguanas merece alguma atenção. Quando as fêmeas estão fazendo os seus ninhos, pode surgir uma briga pela posse. E são verdadeiras cenas de luta livre, para nenhum fanático botar defeito. Elas se mordem, se retorcem, se unham, mas não se matam. Os machos, que transitam em volta, ignoram totalmente a rixas de suas mulheres e passam ao largo. "Sensatos", confabulavam os homens do grupo.



À tarde, vamos conhecer a ilha Ferdinand, também conhecida como Punta Espinoza.
Esta ilha é particularmente única para os aficionados em vulcões - a saber,  a última erupção foi em 2005 e  pode ter outra a qualquer momento. Com suas formações rochosas esculpidas pela lava, é a terceira maior e a mais nova ilha do arquipélago, além de ser o eldorado dos  leões marinhos.
Fofos mesmo são os bebês. Deixados sozinhos pelas mães que foram pescar, emitem sons enternecedores para chamá-las de volta.  Eles precisam ficar num lugar seco e portanto seguro, para não correr o risco de serem devorados  pelos predadores. Imagine o que um tubarão faria com um filhote indefeso ! Ao contrário das iguanas, esses mamíferos nos olham com olhar lânguido, carente. Infelizmente, nem se pode cogitar em encostar um dedo.  O guia proclama pela milésima vez:  "Caso detectar um cheiro desconhecido, a mãe o rejeita e aí, ele morre." Pode deixar, a gente se contenta em clicar estas criaturas roliças, peludas, confiantes, que  se arrastam até quase encostar nos nossos pés! Dá até para sentir o bafinho...E´ duro resistir. Na região dos Galápagos, em espanhol, são chamados de "perros"  (cachorros). E não é que se parecem mesmo?  

 
 DIA 3

PUERTO EGAS ( Ilha de Santiago) e RABIDA

Uma das características mais impressionantes das Ilhas Galápagos é a tolerância multiespécie. Todos os bichos convivem lado a lado sem incomodar um ao outro.  Mesmo os pássaros chamados cormorant, que não voam, jamais são atacados por iguanas ou leões marinhos. Me lembro que depois do primeiro jantar a bordo do Legend, assistimos a um espetáculo único, que  nunca mais se repetiu:  à luz que irradia do convés, presenciamos dois tubarões, uma gigantesca tartaruga  e um leão marinho que nadavam na superfície, lado a lado atrás de um cardume de peixes. Conseguimos acompanhar um pouco as estripulias destes três figurões locais: eles  disputavam a mesma iguaria, mas em nenhum momento entraram em colisão ou conflito. Ficamos também atônitos com a velocidade do seu torque quando tentavam alcançar o cobiçado repasto.
 
Um pássaro curioso se espelha na lente da máquina
Na terceira manhã desembarcamos para um novo passeio  por lindas praias cravejadas por pedras vulcânicas. O mar continua revolto desde ontem à noite e durante a travessia  o navio sacolejou bastante. Algumas  pessoas do grupo sequer se animaram em sair de suas cabines.  Novamente, observamos iguanas, leões marinhos e muitos pássaros. Como acontece todos os dias, surge um elemento surpresa. Hoje foi a vez do fly catcher,  espécie de pequeno pássaro que come todos aqueles mosquitinhos chatos que costumam devorar os turistas durante as caminhadas na mata. Mas, na terra de Darwin, por estarem protegidos até a última pena, estes alados são mansos,  curiosos e tão destemidos que  um deles, ao  se sentir  irresistivelmente atraído pela imensa objetiva Nikon 500 de uma turista holandesa, posou sem a menor cerimônia na ponta da lente. E por pouco não penetrou lá dentro a fim de melhor admirar a sua própria imagem refletida. Vários cliques comprovam como o pássaro é dócil, pois mesmo estando tão perto do invasor, ele não conseguia desgrudar os seus olhinhos do fundo da lente.



DIA 4  Porto Ayora,
SANTA CRUZ,  986 km²

Em terra de Darwin, quem tem carapaça é  rei

Na véspera do último dia a bordo,  fomos conhecer Porto Ayora, também  capital da ilha de Santa Cruz, e o maior centro urbano dos Galápagos, habitado por 12 mil pessoas.  Famoso por ser o local onde fica a reserva de tartarugas gigantes, é  conhecido também por sediar a estação Charles Darwin. No entanto, debaixo de um calor de verão, o passeio pode ficar um pouco maçante, pois além das  explicações tão duradouras quanto a vida destes répteis de carapaça, ainda se ouve lamúrias sobre como a espécie está se extinguindo. 
À tardinha, o passeio nos conduz para o interior da ilha, com direito a visitar uma caverna escavada pela lava ( a única coisa positiva é que lá dentro a temperatura havia baixado consideravelmente) e em seguida uma excursão a pé pela reserva das tartarugas gigantes  ( bota gigante nisso, são quase do tamanho de uma mesa para 4 pessoas!) criadas soltas  num extenso campo de vegetação rasteira, mas tão enlameado que até emprestam botas de borracha para os turistas. Assim como as espécies que se adaptaram aos Galápagos, me senti naquele momento um pouco imbuída do espírito de Darwin - nós, simples humanos sem carapaça, também tivemos que nos adaptar aos diversos ambientes deste  incrível arquipélago para conseguir tirar proveito dos seus encantos. E sobrevivemos para contar a estória.

Nenhum comentário:

Postar um comentário