sábado, 22 de abril de 2017

Masseria San Domenico, Savelletri, Puglia, Itália


Não existe melhor meio de transporte do que a bicicleta para explorar uma região.  

Às oito e meia de uma ensolarada manhã de setembro, um grupo de 20 pessoas, todos vestindo a típica indumentária de ciclista, circulava no lobby do hotel Palace, em Bari, capital da Puglia, no sul da Itália. Algumas conversavam animadamente enquanto outros checavam se os seus pertences estavam no meio da montanha de malas e bagagens empilhadas próximo à entrada principal. Pouco antes das nove, Thilo, um dos guias da Butterfield & Robinson, empresa organizadora da viagem, convocou todo mundo para entrar no ônibus estacionado defronte ao hotel. “Não se esqueçam de levar com vocês os objetos de uso pessoal que irão precisar durante o dia!”, alertou o simpático rapaz, referindo-se às máquinas fotográficas, filmadoras, documentos, dinheiro  e mochilas. 




Quem estivesse observando aquele bando de turistas estrangeiros, a maioria além dos quarenta, poderia pensar que se tratava de mais um punhado de coroas imbuídos de muito espírito de aventura, prontos para iniciar uma viagem de bicicleta através das legendárias oliveiras que florescem nesta região emoldurada pelo Adriático. Em parte, estavam, sim, prontos para explorar este belíssimo itinerário usando a bicicleta como meio de transporte.  Mas por outro lado, havia uma grande diferença entre eles e o típico esportista que leva a suas barras de cereais na mochila, se hospeda em albergue e viaja sem conforto: apesar de estarem trajados para pedalar, este grupo ia pedalar como plebeus, mas se hospedando como reis. 
Chegando de bike no recinto da Masseria San Domenico

O turismo esportivo “estrelado” é para quem quer conhecer uma região e aliar o exercício saudável ao conforto de suntuosas acomodações e aplacar a fome e a sede degustando o que há de melhor em especialidades regionais, tudo regado a champagne e às melhores safras de vinhos. Tem mais: o que poucos acreditam é que (embora possa soar estranho) qualquer pessoa com um mínimo de preparo físico está apta a participar de uma viagem de bicicleta. 
Masseria San Domenico

O outono é uma excelente opção para ir à Puglia. A região já não está mais tão lotada de turistas nesta época e a temperatura baixou dos tórridos 32 graus para amenos 26 durante o dia e dá até para curtir um friozinho de 17 à noite. Embora menos famosa do que a Toscana, a Puglia é muito conhecida devido às masserias , aquelas típicas fazendas fortificadas que há séculos vêm prensando seu azeite, e possuíam sua própria  horta e pomar como meio de alimentar as suas famílias e protegê-las durante períodos prolongados dos invasores que desembarcavam de vários pontos do Mediterrâneo. Além disso, no solo da Puglia existem nada menos do que 40 milhões de oliveiras milenares, responsáveis por 40% da produção total do azeite em todo o país. Hoje em dia, inúmeras masserias foram reformadas para se transformarem em hotéis de luxo ou restaurantes gastronômicos. Algumas delas, aliás, serviriam de pouso para aquele bando de turistas estrangeiros que (lembra?) perambulavam pelo lobby do hotel em Bari, ponto de partida para uma viagem de bicicleta durante a qual iriam percorrer cerca de 360 quilômetros em 7 dias, explorando desde vilarejos adormecidos até sitos arqueológicos e cidades medievais, curtindo as paisagens deslumbrantes que se revelam a cada curva das estradinhas que serpenteam entre as oliveiras.

Alberobello: a cidade dos trullis, típicas casinholas da região, em forma de cône.

Pedalando em meio às oliveiras
Além dos dois guias, que estão sempre pedalando com a gente, há também as vans de apoio para acompanhar o grupo durante todo o tempo. Ou seja, esta não é uma viagem de bicicleta com o objetivo de testar o limite de sua aptidão física ou transformá-lo em super atleta: cada um segue o seu ritmo e se cansar antes do final do itinerário, ou tiver qualquer probleminha, basta fazer um sinal com a mão para o guia, e em poucos minutos surge a van para socorrê-lo. Seja para trocar um pneu furado, consertar a correia que soltou ou até mesmo para “abastecê-lo” com uma cervejinha gelada (que ninguém é de ferro), uma água ou uma barra de cereais (sim, também tem barrinhas de cereais dentro da van, mas isto não é o menu principal!). Em outras palavras: ninguém é deixado para trás e as chances de alguém se perder são mínimas.


 Até porque cada um está de posse de um itinerário impresso no qual constam os mínimos detalhes de cada curva, cada placa e cada pedra pelo caminho. No máximo, acontece de errar uma entrada, não notar uma indicação e passar algumas centenas de metros além do requisito, mas aí em questão de minutos o guia já estará procurando pelo elo perdido.

Produtos das masserias 

Gelato irresistível
Em geral, o dia começa cedo, com o grupo tomando café e recebendo dos guias as instruções para a pedalada. Na Puglia, a primeira parte do itinerário é bastante suave, graças ao terreno plano. Milhares de oliveiras e três dias depois, o cenário muda e surgem as ladeiras e os morros. Algumas vezes, há trechos bem desafiantes.  O que ajuda, é claro, é uma programação onde a atividade física será sempre entremeada por inúmeras pausas para uma visita cultural em algum sítio histórico ou numa prensa secular, um almoço em restaurantes típicos, e de pit-stops ao longo do percurso, seja para tomar um expresso, comer um panini num café de um vilarejo típico, ou pecar com um gelato ( na língua de Dante, aliás, gelato rima com peccato!).
Os trullis estão por toda parte da Puglia

Um dos destaques da viagem à Puglia fica por conta dos hotéis.  Após dois dias pedalando pelas imediações de Lecce e Ostuni, é hora de pernoitar por duas noites numa das mais imponentes masserias de toda a região: a San Domenico, membro da sofisticada rede Leading Hotels of the World, situada à beira do Adriático em Savelletri, onde ainda existem vestígios do século XIV, época em que os Cavaleiros de Malta faziam vigília em uma torre à beira-mar para proteger o domínio da invasão turca. Hoje, do alto desta torre, dá para admirar a magnificência da masseria, que produz azeite e todos os ingredientes para a sua cozinha cuja reputação já ultrapassou os limites da propriedade.  E´maravilhosa a sensação de entrar pedalando- cheio de lama, suado e cansado como um autêntico atleta! - num recinto tão sofisticado  e pegar a sua chave na recepção sabendo que o que o aguarda é uma super suíte com cama principesca, lençóis de algodão egípcio, roupões felpudos, uma piscina de água salgada, um spa com massagens e tratamentos corporais e, para coroar o dia,  um jantar gastronômico regado a champagne e vinhos locais. E ainda um show privado de danças folclóricas, onde todos estão convidados a participar.

Mas embora toda a semana esteja repleta de visitas surpreendentes a sitos arqueológicos, igrejas Bizantinas, masserias históricas, infinitas extensões de oliveiras e típicos vilarejos adormecidos, ainda é o trulli a imagem que fica mais impregnada na memória do turista. Esta casinhola baixinha, meio arredondada, com um telhado de pedra em forma de fatias de pizza, é a marca arquitetônica registrada da Puglia, pois não consta nada igual em nenhuma outra região da Itália. Estas construções são extremamente peculiares, mas curiosamente ninguém sabe apontar ao certo a sua origem ou como proliferaram nesta determinada parte da região, rotulada como o Vale dos Trullis.  E quando se imagina já ter pedalado o número de quilômetros suficientes para ver todos os trullis existentes na Puglia, se chega a Alberobello, eleita a “cidade dos trullis”, hoje Patrimônio Histórico Mundial. Na rua principal desta aconchegante cidadezinha, a gente se depara com centenas deles, construídos lado a lado, todos reformados para abrigar lojinhas com prateleiras repletas de souvenirs, bugigangas, guloseimas típicas e artesanato. Ninguém resiste à tentação de levar para casa uma miniatura de trulli, seja em qualquer tamanho, confeccionada em gesso, madeira, ferro, ouro, prata ou até de plástico.  E´  até mais tentador do que comprar pacotes de orechietti, uma massa em forma de pequeninas orelhas cujo design é tipicamente pugliano.


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