sexta-feira, 29 de abril de 2016

Lux Hotel, Ilha da Reúnion, Oceano Índico, África

La Réunion: turismo de aventura com sotaque francês. Acima,  um dos famosos ilets escondidos nas montanhas

                                 
Ela consta como um pontinho quase imperceptível em qualquer mapa.  Isso, quando consta. Assim sendo, quando o avião da Air France pousou no aeroporto Roland Garros, em St Denis, capital de la Réunion, tive a sensação imediata de que tinha chegado num dos lugares mais fora do alcance do radar. Começando que la Réunion fica longe de tudo: quem vem das principais capitais europeias precisa encarar pelo menos 14 horas de vôo; se o ponto de partida for a África do Sul, pode contar com um mínimo de 7 horas. Decolando do Brasil, então ... nem se fala!  A sua vizinha mais próxima é a idílica ilha de Mauritius, que também não fica na esquina e cujo nome soa familiar apenas para viajantes antenados.  

vista da ilha quando se faz o sobrevôo de helicóptero

Localizado no sudoeste, e eleito o melhor hotel da ilha, ficamos hospedados no Lux que é um  complexo hoteleiro 5 estrelas acolhedor,  um pé na areia na região conhecida como L ´Hermitage, margeado pelo lagoon de águas mansas. As suas mansões, espalhadas num jardim arborizado que faz fronteira com o mar, é fiel ao estilo de arquitetura créole. São 164 acomodações divididas em três categorias. ´Na verdade, mesmo que dê pra sair do hotel a pé e chegar até o centrinho onde ficam lojinhas e restaurantes, o ideal é alugar um carro pra explorar a ilha. Que merece ser explorada com vagar.

Simpática disposição das acomodações do Lux de frente pro mar

La Réunion ( Patrimônio da Humanidade, diga-se de passagem) pertence à França desde meados do século 17 e cultiva esta identidade com muito orgulho : a maioria dos seus 833 mil habitantes só fala o idioma de Molière, a moeda é o euro, os números de celular têm 10 dígitos e começam com 06, e, é claro, os croissants e as autênticas baguettes encontrados nas padarias são confeccionadas artesanalmente por um boulanger profissional. Tal qual em Paris, digamos. Toda a estrutura da sociedade, as regras de transito e até mesmo as instalações sanitárias seguem os padrões da  "metrópole", como costumam chamar os locais quando se referem à Pátria Mãe. A gastronomia, embora frequentemente rebatizada com ingredientes de diversas origens - oriundas das influências que vão da cultura créole até a chinesa - também é enraizada nas boas receitas herdadas do continente europeu. La Réunion é genuinamente francesa em cada pedacinho de seus 2.500 quilômetros quadrados até o topo de seu pico mais alto, o  Piton des Neiges, que desponta a 3071 metros acima do nível do mar. 
Paisagens dramáticas


Paraíso exótico com uma incrível diversidade nas paisagens, muitas delas exuberantes e de uma beleza dramática, a ilha oferece atrações ecléticas, todas voltadas para atividades ao ar livre. Com mais ou menos adrenalina, à escolha do freguês. Basta mencionar que o carro-chefe dos ícones da Réunion é o Piton de la Fournaise, um dos vulcões mais ativos do planeta. Volta e meia ele se enfurece e arremessa labaredas de fogo a mais de duzentos metros de altura e em seguida derrama sua lava pelas encostas, para o deleite dos turistas sortudos que conseguem vislumbrar de longe este fenômeno da natureza, imprevisível, incontrolável e imponente. A última vez foi em 14 de outubro de 2010 e - pasme! -  no dia 22 do mesmo mês os andarilhos mais audaciosos já podiam se aventurar numa caminhada de 8 horas para ver "de perto" os efeitos da erupção. A paisagem se transforma, todo o ambiente muda de figura, assim como os contornos da própria ilha, onde as proporções sempre oscilaram conforme os caprichos do vulcão.

E´ impressionante a diversidade do cenário e os imponentes picos

Mas o vulcão é apenas um dos atrativos de la Réunion. Na realidade, você está numa ilha que é um imenso parque de diversão, dentro do qual se pode escolher entre dezenas de brincadeirinhas ao ar livre: mountain bike, parapente, pesca em alto mar, mergulho, surfe, e longos trekkings por toda parte. As trilhas mais desafiadoras são aquelas que atravessam cânions beirando falésias a 700 metros de altura, para alcançar os vilarejos, ou ilets, que foram construídos há séculos atrás por escravos foragidos. Eles se espalham dentro dos três "cirques" (caldeiras formadas pela atividade vulcânica) e serviram de refúgio até a abolição da escravatura. Impenetrável sem ser a pé, Mafate é um dos destinos mais cobiçados por andarilhos, que, durante dias a fio visitam várias comunidades e se familiarizam com os habitantes locais e seus costumes ancestrais. Já os ilets de Cilaos e Salazie podem ser alcançados por estradinhas sinuosas que serpenteiam desde o mar até uma altitude acima de 2500 metros. 
Gastronomia francesa

 Até o século passado, as pessoas eram transportadas por carregadores em cadeiras portáteis. Agora, tem asfalto, mas só para constar no seu GPS, são mais de 400 curvas para chegar a Cilaos, que é também ponto de partida para dezenas de itinerários a pé pela região montanhosa cercada de falésias e picos majestosos.

Também muito concorridos são os vôos panorâmicos de helicóptero, que sobrevoam o Parque Nacional; no quesito aventura, tem sacolejantes roteiros off-road, cavalgadas, excursões de quadriciclo e emocionantes passeios com bicicletas de quatro rodas -  marca registrada local, única no gênero e adaptada especialmente para se manter o equilíbrio em trilhas íngremes e terrenos acidentados.  Ou seja, se você achava que La Réunion era um destino ideal apenas para ficar de molho numa praia deserta do Oceano Índico, tomando banho de mar com água a 25º C, e bebericando uma piña colada, então dê uma estudada para o farto leque de atrações e escolha sabiamente onde é que o seu esqueleto vai se encaixar melhor. Muito embora nem tudo exija a disposição de um maratonista ou os nervos de aço de um comander, a maioria é talhada para os adeptos de atividades físicas calibrados com uma dose mínima de coragem. 
 
entrada do hotel LUX
 Mas, leve em conta que, para se refazer e recuperar o ânimo entre uma aventura e outra,  não deixa de ser uma boa ideia ficar lagartixando numa espreguiçadeira à beira do lagoon, naquele pequeno trecho que se estende entre L´ Hermitage e Saline-les-Bains, no lado sudoeste da ilha, onde estão encravados alguns dos melhores hotéis, centrinhos, restaurantes, cafés e lojas para turistas. 

praia do hotel Lux


Porém, os cenários dramáticos substituem  facilmente os poucos quilômetros de praia de areia branca. Basta seguir em direção a St. Leu que logo esta areia se tinge de negra e o mar fica feroz. Apenas alguns surfistas se atrevem a enfrentar as ondas bem torneadas neste pequeno reduto. Por aquelas bandas, a brincadeira é o parapente, graças ao ventos favoráveis. Lembre-se: na Réunion, todas as atividades giram em torno dos caprichos desta natureza exuberante.  

domingo, 24 de abril de 2016

Pousada Pontal dos Carneiros Beach Bungalows, Carneiros, Pernambuco

Carneiros ainda é um dos destinos mais sossegados do litoral brasileiro. Pelo menos fora da alta temporada.

Após décadas de viagens pelo litoral, sempre  em busca de lugarejos abençoados pelo quase anonimato e  praias cujo nome  fosse omitido ou não constasse  ostensivamente nos guias turísticos , chego à (feliz) conclusão que, sim, por incrível que pareça, ainda existem.  São alguns nichos que, pelo menos fora da alta temporada, conseguem manter praticamente  intacta  a sua genuinidade e assim preservam uma áurea do passado. Para descobrir onde estão salpicados, basta ter paciência para indagar com afinco, tentando  enxergar além das trilhas demarcadas.

 Muitas vezes, para chegar ao destino, é inevitável entrar por outros, mas isso faz parte da busca. Além disso, você sabe que está farejando bem  quando mencionar um nome para três pessoas e nenhuma delas tenha ouvido falar. Mas,  vale também  surrupiar o segredo de alguém com conhecimento de causa...  e tirar proveito.


Foi  o que  aconteceu com a praia de Carneiros, localizada a apenas uma hora e meia de carro de Recife, capital de Pernambuco:  alguém fez uns comentários há alguns anos atrás, revelando como este lugar, contemplado com inúmeras piscinas naturais e  um coqueiral sem fim , era o reduto perfeito para  relaxar. Disse também que não se fazia nada além de  desfrutar  a paisagem. 



 A definição era de que Carneiros era um destes destinos envolventes,  principalmente fora de temporada e um verdadeiro oásis para crianças, que podiam brincar livremente. Anotei no meu caderninho e aguardei  a oportunidade para checar pessoalmente o quanto  Carneiros poderia ser, no mínimo, sublime e discreta.

E  é. Começa que é do tamanho  da praia de Copacabana . Alinhavada  por milhares de coqueiros,  ostenta pouquíssimas casas,  nenhuma vila , vendinha, padaria, ou até mesmo posto de gasolina.  Aliás, não vale nem a pena alugar carro, porque você nem tem para onde ir ( e muito menos vontade de querer sair de lá). Em Carneiros ninguém precisa ter compromissos  com o tempo e a hora ( salvo ficar atento às oscilações da maré), e  é para quem quer, literalmente, deslizar da cama diretamente para a espreguiçadeira.  Ou seja, não há nada para fazer além de  lagartixar debaixo do sol, ficar literalmente de molho na água tépida das piscinas naturais durante a maré baixa e fazer bucólicas caminhadas  pela orla, mergulhando no mar manso para se refrescar.


E pra quem não quer ser perturbado por ninguém, sem dúvida a melhor escolha pra se hospedar, devido a localização privilegiada e indevassável é a Pousada Pontal dos Carneiros Beach Bungalows. Principalmente se você vem com a família, pois são 12 bangalôs dispersos em meio a um coqueiral,  alguns  com 3 quartos e cozinha completa. E´ a opção ideal   que permite resguardar  privacidade na praia, pois os recifes e os corais impedem a aproximação de barcos ( e consequentemente de gente)  e é a única pousada em que você está a apenas 30 passos da sua piscina natural, quase particular, que se mantém por horas a fio durante a  maré baixa. Melhor do que isso, só dois issos.

Vista parcial da Pousada Pontal dos Carneiros Beach Bungalows

 .
Coqueiral diante da praia e piscina natural, da Pousada Pontal dos Carneiros Beach Bungalows
Desacelerar é a palavra de ordem.  Em Carneiros, até mesmo as embarcações  estilo pedalinho com  motor  de  liquidificador - que são o meio de locomoção turística -  não ultrapassam os 10 km/hora.  Mas, se estiver disposto a conhecer um pouco das imediações, vale a pena seguir neste ritmo lento.  O barqueiro leva de seis a oito passageiros e são duas horas de passeio.

Passeio de charrete para turistas 

E´ de praxe mostrar um cardápio com fotos das atrações locais, para atiçar os turistas com as opções do banho de argila "que rejuvenesce na hora", o mergulho nas piscinas naturais protegidas pelos  recifes e que se formam no auge da maré baixa ( e onde se caminha com água abaixo do joelho),   e a visita à igrejinha colorida do século 18 construída na praia e que hoje só funciona mesmo para celebrar casamentos e batizados. De tão descontraída que é a praia de Carneiros, pode entrar  de roupa de banho que ninguém vai reclamar.

Igrejinha é point no final de tarde, durante a maré baixa


 Se o objetivo é passar menos de uma semana, já comece a relaxar na hora de fazer a mala:   não precisa levar quase nada. Bastam duas mudas de roupa, biquíni e calção,  um par de havaianas ou sandálias de plástico, uma canga, protetor solar, chapéu e  óculos escuros. E pode ( pode,não, deve!)  deixar o relógio  em casa, mesmo porque vai ter utilidade zero num contexto que está descompromissado com a hora e condiz com a arte de conseguir fazer... absolutamente nada.
Pescador 

Praia deserta a perder de vista

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Ammos hotel, Chania, Creta



Uma paisagem típica de Creta, praia deserta, mar manso e natureza selvagem.
Fica difícil imaginar o que a vida civilizada seria hoje sem a influência da Grécia antiga. Foram os gregos que inventaram a arte dramática e para encená-la construíram os anfiteatros. Criaram um estilo arquitetônico que foi copiado em várias partes do mundo além de virar modelo para a Casa Branca e o Memorial de Lincoln. O pai da medicina não é outro senão o Hipócrates - um grego, naturalmente. Mitos gregos continuam a ser adaptados e interpretados, seja em filmes ou peças e nunca perdem a sua atualidade- afinal, Édipo nasceu na Grécia e não no consultório de Freud. 


Piscina natural a poucos quilometros de Chania

Conhecemos a Grécia nos idos finais dos anos 70. E daí em diante, a cada ano que passava e a o longo de décadas, fomos aos poucos explorando as ilhas do Egeu, do Jonio, do Dodecanese, as Esporades, Cíclades... e assim foram passando as aventuras marítimas. Conhecemos uma Grécia acolhedora, que enaltecia os estrangeiros, mas com o tempo estes mesmos turistas foram se multiplicando de tal forma que se tornaram um fardo para os gregos - que aos poucos já não tinham mais paciência para eles. A sensação de não ser mais tão bemvinda,  nem mesmo nas ilhas mais remotas, me fizeram mudar um pouco o rumo. Mas não a bandeira. 

Grécia à moda antiga, pontilhada de barquinhos de pesca, uma visão deliciosa.
o encantador porto de Chania, cheio de bares e restaurantes, lojinhas...

Até que tomamos o rumo de Creta. E... surpresa! Lá ainda permanece a Grécia à moda antiga. Hospitaleira. Rústica. Autêntica. Verdadeira alma grega. E ao invés de aterrissar em Heraklion, a maior cidade da ilha, pegamos um avião diretamente de Atenas para Chania, do lado noroeste e bordada pelo mar Egeu. 



Um dos segredos mais bem guardados pelos turistas calejados é certamente esta ilha, que permanece com o mesmo astral da Grécia dos anos 80, uma época em que ainda não tinha sido "invadida" pelas massas. 

A discreta  Chania   é servida por um aeroporto com vôos regulares a partir da capital grega  ou de Londres por companhias low cost. Lá é tudo de bom: é quente, ensolarado, encoberto por flores endêmicas, rodeado por lindas montanhas e vales verdes,  e tem praias douradas como as de Elafonissi e Falassarma onde você pode se banhar em águas transparentes.



Alugue um carro e explore a região sem pressa. Localizada bem ao sul do Mediterrâneo, a ilha é um dos primeiros lugares a captar o sol da primavera e até outubro consegue manter temperaturas agradáveis. Pode parecer inverossímil, mas Creta já foi uma colônia de leprosos.



 Se estiver viajando com família, não se deixe iludir pelos grandes resorts estrelados e não hesite em se aproveitar da genuína hospitalidade grega reservando um quarto de frente para o mar no Ammos Hotel , um pequeno ( mas extremamente confortável) estabelecimento familiar pé-na-areia, onde você será tratado como um deus grego!
Vista de um dos quartos do Ammos Hotel


A pousada é, de fato, mínima, contrasta em estilo e tamanho com o seu vizinho que é aquele luxuoso Couples Only e bastante impessoal. E com certeza os hóspedes não são recebidos de braços abertos pelo Nikko, um dos donos ( os proprietários são de uma só família) , que sabe acolher os hóspedes com tanta familiaridade que você se sente imediatamente em casa.


Restaurante do hotel fica rente à praia

A Dimitri, que é quem manda mesmo, é uma jovem amável, comunicativa e demasiadamente simpática. Aquele encanto grego atávico. Essa pousada tem quartos clean, confortáveis, alguns com varanda que se debruçam sobre a piscina, o jardim e o mar. A praia fica a poucos passos e a água é translúcida, mansa e morna. Não são grandes acomodações nem ostentam amenidades sofisticadas, mas os mimos sorridentes de toda a equipe compensam qualquer shampuzinho da L ´Occitanne.  

Todo dia , curta o delicioso café da manhã servido na varanda com vista pro mar, com direito a ovos, pães caseiros...Um parêntese para o iogurte grego feito em casa, que, você acertou na mosca, é grego ao pé da letra, e dá vontade de comer o pote inteiro. Depois,é só você ler no quadro negro próximo ao lobby o que há para ser visto e percorrido na ilha. 
A cor do mar chega a dar vertigem!

Aviso aos navegantes: reserva neste hotel só mesmo com mais de um ano de antecedência. Eu mesma venho tentando. Mas, muito concorrido entre a clientela inglesa, que aporta com filhos baby a tiracolo, fica duro conseguir lugar. Ainda mais entre junho e agosto, férias do povo lá do Reino Unido. Eu diria que é um cantinho ideal mesmo pra deixar crianças pequenas brincando sem perigo nas águas mansas, rasas e mornas bem ali, defronte ao Ammos Hotel.


Um dos programas mais reputados em Creta são as trilhas nas montanhas, para fazer drásticas caminhadas como esta. O cenário é de tirar o fôlego.


terça-feira, 19 de abril de 2016

The Fairmont Banff Springs, Banff, Canadá




    Me lembrei desta aventura a cavalo porque ontem foi meu aniversário.


 Um pequeno anúncio numa revista especializada em cavalos me deu motivo para encarar as 14 horas de vôo (e mais uma boa centena de quilômetros de carro)  que separam o Brasil de Banff, uma charmosa cidade encravada no coração das Montanhas Rochosas canadenses. Chegando lá, o programa era participar de uma expedição eqüestre que se embrenhava durante sete dias em trilhas traçadas dentro do Parque Nacional de Banff, o mais antigo do Canadá. Mas, essa viagem inesquecível tem mais de duas décadas. 

A estrada cenica que leva ao Parque Nacional de Banff

Lembrando (com saudade) desta aventura a cavalo, por sinal uma experiência maravilhosa e até hoje um dos programas turísticos de veraneio mais procurados naquela região, fui super animada quando surgiu, anos-luz depois, nova oportunidade para visitar Banff, desta vez justamente em abril. Ou seja, no meio da primavera. E por coincidência, no meu aniversário. Pela internet, deu para conferir as previsões do tempo para o dia a dia e o comportamento dos dígitos durante a nossa estadia.

Como até final de maio é comum o termômetro rondar mais para menos do que para mais, arquitetei uma bagagem digna de enfrentar o mais rigoroso dos invernos. Por isso, nem pestanejei quando o piloto da Air Canada anunciou, minutos antes de aterrissar em Calgary, que a temperatura era de 13 graus. Positivos, ressaltou ele, triunfante. Confiante,  acreditei que não seria pega de surpresa. Não fui - pelo menos não inteiramente.

A nevasca em plena primavera

Logo na primeira manhã, ao abrir a cortina, mal pude acreditar que os maus augúrios do serviço de meteorologia tivessem se concretizado à risca: ao invés do sol a pino e o céu azul da véspera, uma forte nevasca formava uma parede branca tão densa que apagava qualquer vestígio dos lindos picos nevados no horizonte. Na verdade, já não dava nem para distinguir os altos pinheiros que praticamente encostavam-se à minha janela.

 Ainda bem que tinha sido possível flagrar a paisagem na TransCanada Highway, que liga Calgary a Banff e é reputada como uma das estradas mais cênicas no mundo. Também é de tirar o fôlego a magia da natureza que se revela até onde a vista alcança. Não é à toa que Banff, ao longo de mais de um século, tem atraído visitantes em busca da exuberância de suas montanhas e do aconchego de ícones superlativos como o hotel Fairmont Banff Springs, onde estávamos hospedados,  um marco histórico e uma das principais referências do lugar.  
O Fairmont se ergue majestoso no meio do parque

E já que estamos falando do passado deste estabelecimento, saibam que na década de 20 ele era o maior hotel do mundo. E que, em 1927, a companhia Canadian Pacific Railway contratou o arquiteto canadense Stanley Thompson para desenhar um percurso de golfe com 18 buracos ao redor do hotel. Este projeto, batizado como o “campo no topo do mundo”, custou mais de 1 milhão de dólares para ser concretizado. Hoje este valor seria considerado uma pechincha, mas na época era o primeiro campo de golfe do mundo a ultrapassar esta cifra. Cercado por um décor magnífico, foi inaugurado em 1929 pelo Príncipe de Gales.

Vista que se descortinava do meu quarto antes da nevasca


 E tudo em sua volta é história: imagine que enquanto hóspede em 1954, Marilyn Monroe, contracenando ao lado de Robert Mitchum no filme “A river of no return”, chegou a dar umas tacadas por ali... Aliás, de qualquer dos quartos do oitavo andar, vale contemplar um pouco deste  green  - ok, exagerei, nem tão green assim neste 18 de abril, mas de qualquer forma imponente. 



Mas, voltando ao blizzard, que, tal qual anunciado, iria se instalar pela região por três dias, o melhor a fazer era – adivinharam? - esquiar. O que, diga-se de passagem, já constava da programação. Claro, pois desde o inicio de novembro até final de maio, os aficionados pelos esportes de inverno podem deslizar nas centenas de pistas do Canadá. Banff, a quase 1.400 metros de altitude, estava ainda na segunda metade de sua temporada. Há todo tipo de atividades na neve, do tradicional esqui ao snowboard, passando por passeios de snowmobile, trenó de cachorros e snowshoeing (raquetismo), entre muitas outras opções. Mesmo assim, surpreenderam-se todos – locais e turistas – por este capricho da natureza que trouxe uma quantidade de neve absurda em menos de 24 horas.

A paisagem muda completamente de aspecto debaixo de grossos flocos de neve

 Porém, foi muito bem-vindo, pois garantia por mais algum tempo as boas condições nas pistas de Sunshine Village, o resort mais próximo da cidade. Aqui é preciso fazer um parêntese: em Banff, não tem ski-in/ski-out, o que significa que os esportistas precisam se locomover cerca de 30 minutos para chegar à primeira gôndola. Para isso, os transportes públicos funcionam no esquema de shuttles que atendem com eficiência a maioria dos usuários. 


Quando acontece de nevar tanto assim - o que, segundo o guia local, só tinha acontecido uma vez no mês de fevereiro daquele ano -  e não se falava em outra coisa  a não ser o pow pow ( diminuitivo de powder) – ou poudreuse, como insistem os puristas da nomenclatura francesa ao se referir à neve fresca, tão fofa que você  afunda até  meio das coxas! Quando perguntei por que não haviam passado a patrol para “varrer” e delinear as pistas, como é de praxe, a resposta foi de que os esquiadores estavam eufóricos com este imprevisível presente do céu. “Está todo mundo adorando,” confirmou um professor de esqui, após trazer de volta um grupo de esquiadores de primeira viagem. E, pelo estado de espírito de quem tinha calçado os esquis pela primeira vez, deu para perceber que esta experiência foi realmente gratificante. Pessoalmente, como o esqui é (uma das)  minha  (s) praia (s), dar uma esquiadinha naquela data foi mesmo um presente de aniversário caído do céu.


sexta-feira, 15 de abril de 2016

Piz Seteur, Selva Gardena, Itália




Dolomitas : mais de 1200 quilometros de pistas interligadas e estação prolongada de esqui até final de abril


Se tivesse que eleger apenas um quesito para decidir onde passar uma semana inteira me deliciando com os esportes de inverno,  eu diria que vale o tamanho da área esquiável.  Daí, a região de Val Gardena, situada entre o norte da Itália e o sul do Tirol,na Áustria, se torna imbatível quando comparada com outros destinos na Europa. Além de se destacar como o maior circuito de esqui do mundo – 1220 quilômetros de pistas interligadas entre 12 zonas, é também reputada pelos atributos cênicos:  o vale é  emoldurado pela cadeia das montanhas Dolomitas, por sua vez  site da Unesco e Patrimônio Mundial, e  uma infindável  variedade de paisagens estonteantes , capazes de deixar qualquer de queixo caído.
Os raios de sol no final do dia jogam estes coloridos nos picos


Skiin, ski out é tudo de bom. Sair do lobby de seu hotel com as botas de esqui nos pés é o sonho de qualquer esquiador. Ser o primeiro a deslizar pelas pistas porque nenhum outro esquiador chegou também é um privilégio reservado a pouca gente. Mas, nem é tão difícil, basta escolher o hotel certo. Como o Piz Seteur, que descobri há alguns anos atrás, numa pequena nota numa revista de turismo. Este rifugio é na verdade um pequeno hotel-butique de luxo, empoleirado a 2064 metros de altitude , ao pé do pico mais iconizado das Dolomitas - o Sassolungo. A vantagem de se hospedar neste encantador chalé alpino de apenas 9 sofisticadas suítes (todas com vista sobre a deslumbrante cadeia de montanhas) é ser o primeiro a "abrir" as pistas, antes do restante dos esquiadores que sobem de Selva e outros vilarejos. E´ que para chegar até o hotel, só mesmo esquiando ou...de snowmobile. O serviço é irrepreensível , você é tratado como amigo e os proprietários estão sempre por perto, dando atenção, tornando a sua estadia ainda mais aconchegante. 


uma das melhores suítes do Piz Seteur
Hotel Piz Seteur : só se alcança de esqui ou snowmobile


Porém, o vale é igualmente renomado pelo fenomenal circuito de Sella Ronda, um delicioso itinerário de 23 quilômetros, composto de pistas entrelaçadas e  interligadas, espalhado através de esplêndidas cenários. Além de Selva,  um dos pontos de partida, o Sella atravessa os vilarejos de Colfosco, Corvara, Arabba e Canazei. Este traçado pode ser percorrido em até  menos de 6 horas, contando ainda com as paradas estratégicas: uma paradinha afim de admirar o panorama até onde a vista alcança, tomar um chocolate quente para acalentar o esqueleto, sentar numa atraente terrazza e almoçar uma wrust ou uma pasta, bebericar uma cerveja...Um clássico na história do esqui, o Sella pode ser desfrutado por 90% dos esquiadores e snowboardistas, porque, apesar de longo,  ele é  de uma facilidade incrível  e muito versátil.

A atmosfera de Val Gardena é bem familiar, perfeita para esportistas em busca de uma região low profile, privilegiada pela neve de dezembro a final de abril. A maioria das pistas está situada entre 1500 a 2300 metros de altitude, e quem quiser pode esquiar o dia inteiro sem jamais deslizar pela mesma pista duas vezes. O pequeno  vilarejo de Selva, assim como os outros dois, Ortisei e S.Cristina, que compõem o vale,tem apenas uma rua principal.

 Não faltam, no entanto, vários aconchegos ostentando três e quatro estrelas, um comércio focado para turistas com antiquários e  ateliês de artesões locais exibindo seus trabalhos de esculturas em madeira. Convivendo em harmonia com a calma que reina depois do pôr-do-sol, bierhouses  borbulham animadamente durante o après-ski, e onde se entornam jarras de cerveja em cascata! Restaurantes que seguem a tendência gastronômica regional, servindo uma apetitosa fusion austro-italiana.


Não faltam butiques ostentando marcas de renome e lojas de roupas esportivas, especializadas em venda e aluguel de equipamentos.
Um detalhe peculiar , é que apesar de Val Gardena  hastear a bandeira da Itália e muito embora os uniformes da equipe de instrutores da Top Scuola de Sci ( escola de esqui) sejam assinados por Giorgio Armani,  o idioma oficial é... alemão. A língua de Strauss se deve ao fato da região ter pertencido à Áustria durante longos anos.  Mas, é claro que todo mundo também fala italiano. Não bastasse a dualidade linguística,  existe o dialeto local, o ladino, que resistiu a todas as influências e persiste até hoje na boca do povo e nas escolas. Nem precisa dizer que não dá nem para balbuciar uma palavra, é igualmente indecifrável para os italianos e os austríacos e, é óbvio, para qualquer turista. Mas, é também por este quesito, no meio de tantos outros, que esta  charmosa região nevada conquista como recanto único e exclusivo.


Perambular na rua principal de Selva significa uma visita à delicatessen para comprar desde o funghi porcini ao suculento prosicutto e, como estamos na Itália, aproveitar para dar um pulinho na gelateria. Nos vilarejos de S. Cristina e Ortisei,  poucos quilômetros abaixo, aproveite para visitar ateliês e lojas de artesanato em madeira, sentar num café e pedir um chocolate quente acompanhado daquela típica torta de maçã austríaca, conhecida como apple strudel, servida com creme chantilly. Afinal, depois de queimar muitas calorias esquiando, você merece pecar pela gula.
prosciutto suculento

Gastronomia na montanha

Lembre de comprar o passe de esqui na bilheteria da gôndola principal de Selva. Há várias opções e preços, porém o mais aconselhável é investir no Dolomiti Superski para explorar o espetacular carrossel de 1200 quilômetros que permite a você usufruir de 460 lifts – ou seja, dá para passar pelo menos uma semana sem deslizar duas vezes pela mesma pista .


 Todos os rifugios oferecem comida boa, um menu bilíngüe e uma mistura de receitas italianas com austríacas.  No entanto, poucos recebem os esquiadores com um cardápio altamente sofisticado. Uma salva de palmas para o restaurante Comici, por exemplo,  que tem seu  peixe  e frutos do mar frescos enviados diariamente para o pico da montanha – de helicóptero! Experimente um prato de massa com funghi  porcini ou camarões, ou até mesmo uma suculenta lagosta!


Tagliatelle com funghi porcini

 As pistas são longas, quase nunca há filas e pode passar o dia sem sequer repetir um percurso. Eu disse um dia? Exagerei...pode passar uma semana inteira que ainda assim não vai dar tempo de conhecer toda a região.

Nos rifúgios, as pessoas descansam, comem e relaxam. Mutos deles oferecem acomodação .