Quando Garcia Marquez idealizou o
cenário da aldeia de Macondo para sediar
o romance 100 Anos de Solidão, ele certamente não tinha em mente a exótica Ilha
de Marajó, localizada ao oeste da foz do rio Amazonas, às margens do rio Pará e beirando o Atlântico.
Mas, bem que poderia: Apesar de Soure,
capital informal desta ilha paraense, ter bem mais do que apenas vinte casas e 300 habitantes, ali os
estranhos convivem como velhos amigos, fazendo
com que os turistas se sintam imediatamente acolhidos neste pacato vilarejo
margeado pelas águas salobras do rio
Paracauari.
O búfalo é o ícone da ilha e pode ser visto em qualquer lugar |
Exótica, povoada por indígenas desde 1100 AC, é a maior ilha fluviomarinha do mundo, e conserva até hoje uma aura de genuinidade. Extremamente hospitaleiros e amáveis , os habitantes se orgulham de suas origens que remontam a civilizações pré-colombianas, e ainda se sentem bastante arraigados às tradições.
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paisagem típica e bucólica |
Constatei, feliz, que estaria vivenciando durante alguns
dias uma realidade bastante inusitada para qualquer pessoa que mora em cidade
grande. Tranquilidade, paz, violência
zero. E´ preciso salientar que na Ilha de Marajó a infraestrutura hoteleira
ainda é bastante limitada e o que existe é rústico.
Algumas pousadas oferecem
até piscina com um padrão razoável, mas é só. A nossa, deliciosamente chamada de Canto do Francês, não tinha. O quarto era simples, mas felizmente tinha ar condicionado - isso não dá pra aguentar sem!
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Pousada Canto do Francês, um pequeno oásis com charme e simplicidade |
Digamos que é a pousada mais bacaninha de Soure, com toque pessoal do dono, que é francês, adivinharam. A decoração, rústica, está aliada a um atendimento simpático e acolhedor, e você logo se sente em casa. Tem até restaurante. Luxo e amenidades não existem, mas as camas são confortáveis. São apenas 9 suítes e a localização é boa, próxima ao rio e a apenas 10 minutos a pé do centrinho da vila.
Outra característica da ilha é
que ela só conta com uma estrada asfaltada, mas tem ruas largas de terra
batida. Curiosamente, Marajó foi
concebida e planejada, digamos, como... Manhattan: ao invés de ruas com nome, existem as Travessas e as Ruas, ambas só com números. Sendo assim, voce vai para o lugar tal
que fica na Quarta Rua com a Travessa
12...
Nada de ruas asfaltadas ou prédios altos |
Não tem nem como se perder. Em
tempo: de similaridades com a Big Apple
só mesmo estes detalhes urbanísticos, porque não plantaram um só arranha-céu em
toda esta região - e estamos falando de
uma imensidão de pouco mais de 40 mil quilometros quadrados - equivalente ao
tamanho da Suíça, por exemplo. Não é a
toa que Marajó é a maior ilha fluvial do planeta.
Mas além de só ter casas, a
grande maioria modesta e simples, de um só andar, em Marajó também quase não
tem automóveis. Um meio de transporte típico
- e peculiar - é a carroça puxada a
búfalo, animal que se adaptou perfeitamente ao meio ambiente e às condições
climáticas que, é bom ressaltar, acarretam
mudanças drásticas na topografia da região.
Este bovino se tornou o ícone de Marajó, contabilizando o maior
rebanho do Brasil com 700 mil cabeças, e também se converteu num recurso
econômico para grande parte dos 25 mil marajoenses, pois ele serve para
carregar lixo, mercadorias,pessoas,bens de consumo e ainda virou atração
turística... Fora que a búfala produz leite para a confecção de um produto bem
local, que lembra um pouco o queijo grego
feta , tanto na textura como no paladar. Soure é a cidade mais movimentada da ilha, e
é onde a maioria dos turistas aporta. Há sempre muitas festividades e eventos
ao longo do ano, como rodeios de búfalo e rodas de Carimbó, a dança típica
paraense. Mas, nada mais importante do que o do Círio de Nazaré, que prossegue
sua peregrinação desde Belém, e entre
outubro e novembro, mobiliza toda a população da Ilha de Marajó.
Esqueci de dizer que pra chegar em Marajó não é nada fácil. Daria tempo de sair do Rio de Janeiro e chegar em Miami antes de aportar na ilha. Então prepare-se. Mas, o melhor da viagem é mesmo a barca que faz a travessia de praticamente 4 horas de Belém até Salvaterra, porto obrigátório para quem vai à ilha. Depois tem mais, seja de van ou onibus...
a barca que faz a travessia de Belém a Salvaterra |
Para tornar a viagem de barco
mais confortável, não deixe de pagar alguns reais a mais pelo direito de acessar à sala
VIP, que conta com ar condicionado e poltronas reclináveis. O trajeto
é bem cênico, principalmente ao entardecer, e leva cerca de 3 horas e meia até o porto de
Camará, em Salvaterra, entrada oficial da Ilha de Marajó.
Na Ilha de Marajó, começa a
chover em janeiro, e o rio Pará sobe gradualmente. Muitos lugares cênicos
ficam parcialmente submersos. A partir de julho, chove bem menos e as
águas começam a baixar lentamente. As
praias aparecem , assim como os monumentais
igarapés , por onde os turistas podem fazer passeios cênicos de barco. O
calor de 30ºC é presente o ano inteiro.
Pitoresco, o mercado é um dos pontos mais visitados pelos
turistas. Ele se divide entre o armazém de carne e o da peixaria. Super bem
arrumadinho por dentro, vende também frutas,
produtos artesanais e as prosaicas ervas milagrosas e poções caseiras,
que prometem curar todos os males da humanidade. Vá conhecer de perto as várias
espécies de peixes que proliferam nos rios da região, como o filhote, o tambaqui e o tucunaré. Mas,
precisa chegar cedo para desfrutar o ambiente , que começa a ficar animado a
partir das 4 da madrugada.
A programação turística segue
algo bem padronizado: o búfalo em primeiro lugar. Começa no cardápio, porque a
carne é macia feito manteiga e o queijo
da búfala é delicioso. Em seguida, é ter
contato com o búfalo ao vivo, no manejo, pois o animal se presta para levar
turistas a passeios. Dá para montar numa
sela, segurando uma rédea improvisada, ou, se falhar a coragem, subir numa
charrete puxada por uma parelha. As fazendas
locais oferecem programas, sempre com guias experientes.
búfalos selados para passeios turísticos |
passeios pelos igarapés |
Passeios a pé na beira de praias
de rio, ou de canoa por igarapés são pacotes oferecidos em diversas fazendas
particulares, que abrem suas porteiras ao público. Difícil não se deixar contagiar com a
exuberância da natureza e a fauna local.
E só quem esteve em Marajó pode ter a oportunidade de admirar uma
revoada de guarás, aves de penas avermelhadas que se assemelham a garças. E´ raro conseguir ver um bando muito
numeroso, e o espetáculo é inesquecível.
Quando bate o meio dia, até mesmo
os búfalos vão se refugiar em alguma poça d´água. Sem contar que dali até às 4
da tarde, o comércio fecha as portas e todo mundo vai fazer uma siesta. Não se
esqueça de sempre levar uma garrafinha de água para se manter hidratado, muito
embora não faltam carrocinhas com água de côco e o oportuno vendedor de abacaxi
que descasca na rua a fruta mais suculenta que você já tenha provado. Todo mundo em Marajó se orgulha deste produto
e enaltece a sua doçura.
praia pra que te quero! |
Muita gente vem para Soure curtir
as praias, das que beiram o rio e o Atlântico. De fato, só mesmo na água dá
para aguentar o calor avassalador. Porém, é preciso levar em conta as
oscilações da maré. Se estiver alta, nem dá para pensar em banho de rio, pois
as águas estão agitadas e não é muito
seguro. Procure relaxar nas praias onde existe infraestrutura de barzinhos,
como nas praias de Barra Velha e Pesqueiro. Na maré baixa, tudo é festa. Em tempo: algumas
só são acessíveis de táxi.
ceramica marajoara, uma tradição da ilha |
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