quarta-feira, 9 de março de 2016

Hotel Marqués de Riscal, Elciego, Espanha

A cidade de Elciego vista do hotel Marqués de Riscal




Deitada de bruços numa cama de massagem, no aconchego da salinha íntima iluminada por uma luz suave, aguardo a minha massagista. Enya, com a sua voz melodiosa, envolve o pequeno ambiente. Não é à toa que, antes mesmo de começar o tratamento, já me sinto relaxada. Uma leve batidinha e entra Nathalie, uma tigela funda numa das mãos. Dentro dela, reluz uma textura inusitada. ”Isto aqui é azeite de oliva, mel, açúcar mascavo e o que está soltinho são sementes de uvas,” explica a terapeuta do Spa Caudalie. Sorridente, ela acrescenta que vai espalhar esta poção em todo o corpo para fazer uma esfoliação, ou seja, uma espécie de purificação da pele, e para isso precisa fazer com que esta mistura penetre em cada poro.


Embora faltassem ainda uns dois quilômetros para chegarmos ao Hotel Marqués de Riscal, já dava para avistar de longe as suas formas arrojadas e reluzentes que se destacam na paisagem acolchoada por vinhedos. Ícone de ousadia e criatividade arquitetônica assinado por Frank Gehry, o hotel é membro do Luxury Collection, e se ergue soberano em meio ao grand décor dos vinhedos da região de Rioja Alavesa. 



Também conhecida como a Cidade do Vinho, é de lá que saem os rótulos mais consagrados da Espanha. Além do conforto das acomodações, do charme dos ambientes e da boa gastronomia, os hóspedes ainda podem desfrutar do Spa Caudalie, onde tratamentos inovadores à base da própria uva in natura – a Vinoterapia - garantem uma experiência memorável.

 
As curvas ousadas do projeto de Gehry se debruçam sobre vinhedos


A cada curva da Ruta de Vinos, e na medida em que íamos nos aproximando do pequeno vilarejo medieval de Elciego, este ícone arquitetônico deslumbrante se desprendia cada vez mais,  tingindo o cenário bucólico com as suas cores rosada, prateada e dourada. Na mesma imagem, a cadeia de montanhas Cantabria e a torre da Catedral compunham o grand décor.


Estamos em pleno vale do Rioja, uma pequena região situada ao nordeste da Espanha, a pouco mais de uma hora de carro de Bilbao. Salpicada de vilarejos agrícolas de cujos vinhedos saem as melhores safras do país, dezenas de bodegas ( vinícolas) desfilam aos olhos de quem se embrenha pelas estradinhas sinuosas entre Elciego, Samaniego e Laguardia. 


Na maioria delas, é possível fazer uma parada para degustação e comprar seus produtos. Encravada no meio desta região, com um terroir de 200 hectares e uma produção anual de 4 milhões de garrafas, se encontra a vinícola pioneira de Rioja , a venerável Vinos de Los Herederos del Marqués de Riscal, também conhecida como a Cidade do Vinho.  Foi daí que surgiu a idéia de implantar, neste exato lugar, um dos projetos arquitetônicos com os traços mais ousados e criativos do século 21, devidamente assinado por Frank Gehry: o hotel Marqués de Riscal.


Contam que, inicialmente, o famoso arquiteto canadense relutou um pouco em implantar seu estilo avant-garde e pouco ortodoxo num vale onde só existiam construções seculares. Tanto é que esboçou vários projetos ( que estão, aliás, pendurados na parede no salão de entrada da Bodega) antes de conceber o que ele consideraria apropriado para ficar em harmonia com um quadro tão tradicional quanto o da região do Rioja.



 E quem quiser dar uma interpretação à sua concepção final vai reparar que as cores das abas metálicas reluzentes que compõem o telhado têm um sentido: o rosado é a cor do vinho, a prata a cor da cápsula e o dourado é aquela malha característica que “veste” a garrafa do rótulo mais famoso, o Marqués de Riscal. 

Estas mesmas cores também fazem alusão aos produtos brancos e rosé. O formato destas abas, com curvaturas e ondulações, reflete os movimentos dos galhos das parreiras; e, para finalizar, a base de concreto com três pilares, que sustenta a edificação,  nada mais é do uma imagem figurada de uma cepa de uva tempranillo, a mais cultivada em toda a região. Se para alguns esta visão pode parecer rebuscada demais, para outros tudo isso prova que a imaginação e criatividade de Gehry não conhecem limites.



E ’ importante salientar que, inicialmente, o projeto da Bodega de los Herederos del Marqués de Riscal foi concebido para ser apenas a sede dos associados e amigos, só que ao se transformar em hotel de luxo, precisou aumentar o número de acomodações. Além das 14 suítes que se encontram na edificação original, outras 29 – muito mais amplas - foram desenhadas por Gehry e erguidas numa ala separada. Ambas as construções são interligadas por uma passarela coberta, que também leva a um subsolo onde foi implantado o Spa Caudalie - que merece um capítulo à parte.



Emoldurado por vinhedos, ou seja, ao lado da matéria-prima utilizada em seus tratamentos e produtos, o Spa Caudalie não podia ter escolhido um local mais condizente para propagar a sua filosofia. Descobriram que a uva possui propriedades anti-oxidantes e anti-cancerígenas e em alguns casos, para se transformar em cosméticos, o fruto passa por uma manipulação em laboratório. 
 
A inauguração do hotel, em outubro 2006, contou com a presença de nada menos do que Sua Majestade Don Juan Carlos, Rei da Espanha. Para homenagear o tão ilustre visitante, o levaram até a “Catedral”, um subsolo escavado na rocha onde são conservadas, com zelo rigoroso, cerca de 170 mil garrafas oriundas de todas as safras já produzidas pela Bodega. Algumas datam de 1860, nada ali está à venda e apenas em raras ocasiões são degustadas.  


Naquele santuário, que mais parece um cenário de um dos contos do célebre Edgar Allen Poe, abriram para o Rei duas garrafas da reserva de 1938 – que estavam, diga-se de passagem, em excelente condição . Dizem, aliás, que foi um copo da safra de 1867 que acabou por convencer Gehry, um amante confesso do néctar dos deuses, a desenhar o projeto da Cidade do Vinho para a Bodega. Mas isso são apenas rumores. A verdade é que as ondulações reluzentes do Marqués de Riscal ainda vão dar muito que assuntar, tanto no ramo hoteleiro quanto da arquitetura.


Room with a view

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